Com o mundo dos espectáculos completamente parado devido à pandemia, é frequente esbarrarmos na catástrofe que se abateu sobre este sector cultural. É o caso de não um mas dois vídeos colocados no facebook oficial da Everything Is New. A EIN, para quem não sabe, é provavelmente o promotor de espetáculos de maior nomeada aqui no país. Desde Nos Alive e Madonna, até Guns n’ Roses, Aerosmith, Yes, Scorpions, Kiss e por aí fora. O vídeo com data de 29 de Abril é um lamento pela situação catastrófica que se vive no mundo do espectáculo provocada pelo vírus chinês. Não, desculpem… provocada pelo vírus do Partido Comunista da China, como nos ensinam os mais reputados especialistas em vários pasquins e alguns católicos mais fervorosos (a explorar melhor num próximo artigo). Assim é que é – rigor acima de tudo, Deus acima de todos. Persignemo-nos em sentida devoção.
O primeiro (1) é um curto vídeo que é apresentado com o seguinte texto:
O eco dos aplausos e emoções entre quatro paredes, que salas centenárias já viveram e que neste momento precisam de apoio, sem subsídios do Estado e com atividade totalmente parada podem não voltar.
Salvem as nossas salas e teatros para em breve estarmos todos juntos.
Ao longo de pouco menos de um minuto podemos ver várias fotos de salas cheias de público em claro deslumbramento, em contraposição a fotos de salas vazias. Para apelar à emoção há um fundo sonoro com um piano lutuoso a tocar uma melodia daquelas que fazem chorar as pedras da calçada. O truque típico de puxar ao sentimentalismo de telenovela. Uma primeira mensagem com letras garrafais em maiúsculas bem pronunciadas
SALVEM AS NOSSAS SALAS DE ESPETÁCULOS & TEATROS
e a mensagem mais completa com o hashtaguezinho da praxe.
O primeiro (1) é um curto vídeo que é apresentado com o seguinte texto:
O eco dos aplausos e emoções entre quatro paredes, que salas centenárias já viveram e que neste momento precisam de apoio, sem subsídios do Estado e com atividade totalmente parada podem não voltar.
Salvem as nossas salas e teatros para em breve estarmos todos juntos.
Ao longo de pouco menos de um minuto podemos ver várias fotos de salas cheias de público em claro deslumbramento, em contraposição a fotos de salas vazias. Para apelar à emoção há um fundo sonoro com um piano lutuoso a tocar uma melodia daquelas que fazem chorar as pedras da calçada. O truque típico de puxar ao sentimentalismo de telenovela. Uma primeira mensagem com letras garrafais em maiúsculas bem pronunciadas
SALVEM AS NOSSAS SALAS DE ESPETÁCULOS & TEATROS
e a mensagem mais completa com o hashtaguezinho da praxe.
O segundo vídeo (2) tem esta introdução:
Para que o nosso futuro não seja cancelado, precisamos de medidas especiais acima das especiais. Pela cultura, continuem a contar connosco.
Já com umas teclas diferentes, daquelas que contaminam o final da esmagadora maioria dos documentários mainstream americanos. Não tanto para apelar à lagriminha mas mais para transmitir uma mensagem de esperança no futuro onde tudo vai correr bem. Enquanto passam umas imagens de concertos e festivais, bem como do trabalho dos técnicos que fazem mexer toda esta máquina, podemos ouvir uma locução a recitar um texto condizente com a música de fundo. Primeiro o caos, depois a fénix renascida das chamas:
7866 espectáculos cancelados, 15412 espectáculos adiados, 1537 espectáculos suspensos e um sem número de eventos corporativos que estavam prestes a serem consumados e tantos outros a ser imaginados. São dados avassaladores que nos permitem ter uma leitura real do impacto económico num sector que se encontrava em explícita ascensão. O layoff e as moratórias para o crédito especializado só suspende por alguns meses mas prevemos que a nossa área só deverá voltar ao activo daqui a um ano ou mais e muito lentamente. E por esta razão precisamos de medidas especiais acima das especiais. Queremos manter todos os postos de trabalho, tendo sempre em conta a responsabilidade social que nos é exigida. Queremos continuar a lutar pela nossa paixão, pelos nossos sonhos, mas sozinhos não vamos conseguir. Continuem a contar connosco porque nós queremos continuar a estar presentes.
Para que o nosso futuro não seja cancelado, precisamos de medidas especiais acima das especiais. Pela cultura, continuem a contar connosco.
Já com umas teclas diferentes, daquelas que contaminam o final da esmagadora maioria dos documentários mainstream americanos. Não tanto para apelar à lagriminha mas mais para transmitir uma mensagem de esperança no futuro onde tudo vai correr bem. Enquanto passam umas imagens de concertos e festivais, bem como do trabalho dos técnicos que fazem mexer toda esta máquina, podemos ouvir uma locução a recitar um texto condizente com a música de fundo. Primeiro o caos, depois a fénix renascida das chamas:
7866 espectáculos cancelados, 15412 espectáculos adiados, 1537 espectáculos suspensos e um sem número de eventos corporativos que estavam prestes a serem consumados e tantos outros a ser imaginados. São dados avassaladores que nos permitem ter uma leitura real do impacto económico num sector que se encontrava em explícita ascensão. O layoff e as moratórias para o crédito especializado só suspende por alguns meses mas prevemos que a nossa área só deverá voltar ao activo daqui a um ano ou mais e muito lentamente. E por esta razão precisamos de medidas especiais acima das especiais. Queremos manter todos os postos de trabalho, tendo sempre em conta a responsabilidade social que nos é exigida. Queremos continuar a lutar pela nossa paixão, pelos nossos sonhos, mas sozinhos não vamos conseguir. Continuem a contar connosco porque nós queremos continuar a estar presentes.
Uma triste realidade que nos obriga a uma reflexão. Faz-nos reflectir e muito! De facto, a quantidade de pessoas que trabalha nesta área e se vê impossibilitada de exercer a sua actividade é assustadora. Posto isto, a primeira forma de agir – e isto é logo imediato – é arregaçar as mangas (literal ou metaforicamente) e meter mãos à obra. Assim de caras o que há a fazer é partilhar em todas as plataformas (eu ainda sou do tempo em que a palavra plataforma era quase exclusivamente usada em conversas sobre videojogos) e reagir ao vídeo com um emoji. Ainda por cima agora com aquele bonequinho que abraça um coração não há como resistir. E basicamente é isto. Não há nada que explique melhor o activismo no século XXI do que o verbo emojiar. É perfeito porque é rápido, não custa nada e não compromete. O compromisso é uma coisa chata hoje em dia.
O problema desta gratificação imediata é que desaparece à mesma velocidade supersónica com que aparece. Então o que é que se pode fazer para além disso? Podemos fazer uma pausazita no scrole-daune do nosso perfil e tentar informar-nos um bocadinho mais. E como fazê-lo? Porque não tentar saber um pouco mais sobre a Everything Is New? A EIN é só uma marca. Por trás das marcas existem pessoas. E por trás da EIN está Álvaro Covões. Como a historiografia oficial nos dá uma imagem muitas vezes fantasiosa das pessoas (basta espreitar o trailer da nova série documental na NetoFilipe sobre o semideus Gui Portões), prefiro analisar as palavras do próprio. Acredito piamente que quando falamos revelamos muito mais sobre nós próprios do que à partida pensamos.
Os dados biográficos dizem-nos que Covões é o chamado self-made man que ganhou autossuficiência financeira muito cedo: “Trabalhava no bar do Coliseu [propriedade da família, quando foi adquirido pelo seu bisavô], desde os 14 anos. Como os espetáculos acontecem em horários desencontrados das aulas, até para aí ao segundo ano da faculdade sempre trabalhei a vender cervejas e a ganhar o meu dinheiro. (…) Nem precisava de mesada.” (3) Na universidade decidiu seguir Gestão à revelia da família onde aquilo que recebeu de mais significativo em termos de aprendizagem foi “uma coisa absolutamente extraordinária, aquilo que nos ensinam é senso comum.” (3) É esse senso comum que vai depois aplicar no seu trabalho nos mercados monetários, onde “era um money market dealer. Comprava e vendia dinheiro.” (3) Ora digam lá se isto não espicha senso comum em todas as letras. O bichinho do espectáculo, no entanto, nunca desapareceu e, primeiro em paralelo com a universidade, organizou um concerto da senhora dona Amália no Coliseu, e depois, em simultâneo com o trabalho nos mercados financeiros, esteve durante seis anos na Música no Coração (alguns de vocês devem ter bilhetes de concertos dos anos 90 com esta marca) ao lado de Luís Montez, outro dos pesos pesados dos organizadores de espectáculos em Portugal. A partir daí deu-se uma cisão, Álvaro Covões criou a Everything Is New e o resto é história.
Uma história de sucesso com facturação anual “na casa dos 18, vinte milhões” (3) e lucros que atingiram os 2.3 milhões de euros, segundo números de 2014 (4), e com 600 mil bilhetes vendidos no ano passado (5). Álvaro Covões tem igualmente as rádios Oxigénio e Radar, o Coliseu (por via familiar) e recentemente adquiriu o Campo Pequeno de mão dada com o fundo Horizon Equity Partners (onde pontificam rostos familiares do governo de Passos Coelho como o ex-Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações Sérgio Oliveira e o ex-Ministro da Economia Pires de Lima). Covões também é vice-Presidente da APEFE – Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos – que congrega 40 empresas que em 2019 foram responsáveis por 90% da receita de bilheteiras no país. (5) “No nosso sector a única classe, digamos, que tem uma associação e tem uma representatividade são os promotores. E estamos todos. Os grandes festivais e promotores que fazem os maiores eventos de música e culturais em Portugal são associados. Nos Alive, Super Bock Super Rock, Rock In Rio, Marés Vivas, Vodafone Paredes de Coura, Nos Primavera Sound, Meo Sudoeste, EDP Cool Jazz. Todos os grandes eventos fazem parte da nossa associação. Felizmente já estamos organizados e temos representatividade o que nos dá uma maior facilidade de dialogar com o Governo.” (6)
Existe assim uma concentração quase total de poderes no sector cultural onde a mesma associação tem nas suas mãos a organização dos espectáculos, as salas onde os espectáculos decorrem, o agenciamento dos artistas que fazem os espectáculos e os veículos (com as rádios que possuem e a influência que exercem em toda a comunicação social) para a promoção desses mesmo espectáculos. Fica aqui a ideia para podermos cogitar nos efeitos nefastos que isso pode ter em vários níveis. Em termos de diversidade cultural (não confundir com a aparência de diversidade que encontramos nos hipermercados) e até no próprio preço dos bilhetes. À luz de hoje, não deixa de ser curioso ler novamente as palavras de Covões sobre os ingressos: “sob o ponto de vista económico, são mais baratos do que há uns anos. Há um esforço permanente de manter preços ou baixar.” (3) É esta absoluta convergência que confere à APEFE a representatividade que tem junto do governo, a influência que pode condicionar as próprias políticas no sector cultural e a forma como se estabelecem as relações laborais entre patrões/trabalhadores ou – se forem muito modernos – entre empreendedor/colaborador ou – em novilíngua – entre visionário/profissional liberal.
Numa indústria que move milhões por ano, é interessante constatar a avalanche que se abateu sobre um “grupo de técnicos. Aquilo que nós chamamos a linha de trás, a linha invisível. As pessoas que fazem os espectáculos acontecer mas nunca ninguém se lembra deles.” (7) Verdade. Nunca ninguém se lembra deles. Registem isso. E não se esqueçam de sublinhar a palavra ninguém. “Existem milhares de pessoas que estão sem qualquer tipo de rendimento. Não trabalham por conta de outrem. Não eram funcionários nem de um teatro privado, nem de um teatro público, nem de nenhuma instituição ou de uma empresa. Eram profissionais liberais que eram contratados para estar uns dias num teatro, outros dias num congresso, outros dias num casamento, enfim. E neste momento não têm qualquer tipo de trabalho.” (7) A pergunta que tem que se colocar aqui não podia ser mais óbvia. Estes técnicos não são funcionários de ninguém porquê? Não há um trabalho para fazer?… Certo. Peço desculpa. Vivo no passado. O mundo mudou e temos que nos adaptar. É a chamada uberização do trabalho. Um conceito completamente novo que nunca antes existiu na história da humanidade. Tudo o que vem relatado na literatura neo-realista ou no cinema italiano muito comprometido política e socialmente dos anos 40/50 é pura ficção. Toda aquela gente que mendigava pelo Alentejo em busca de um dia de trabalho antes de 1974 é só um mural pintado de vermelho. A expressão “trabalho à jorna” nunca existiu.
Mas vamos prosseguir. “Uma quantidade imensa de empresários em nome próprio ou de profissionais liberais, como quisermos chamar, porque um bom roadie o que é que tem que fazer? Tem que se vender, vender o seu serviço.” (5) Isto é importante. Em primeiro lugar temos esta ideia de que tudo se pode vender, incluindo nós próprios. Já não bastava etiquetar tudo com um preço, desde a própria Natureza, a água e até o ar que se respira (8). Agora somos nós que temos que nos vender. Mas quando se constrói uma sociedade que assenta no lucro como sustentáculo fundamental este é o único resultado que se pode esperar. E antes que entrem em jogos semânticos sobre o significado da palavra vender, poupem-me! De uma vez por todas, as palavras têm significado. E quando se usa uma determinada palavra em detrimento de outra é uma escolha consciente. Aqui há tempos saiu um artigo muito acutilante no Público sobre esta mesmíssima temática. Vitor Balenciano explica que isto não é mais do que “a continuação da economia do senhor feudal sobre o servo, ou do amo sobre o escravo, numa lógica onde não há lugar para assumir uma existência plena. Há apenas a violência do simulacro ou da representação. Ser-se produto ou mercadoria em permanência.” (9)
Não é já uma questão de valorização profissional ou dessa aberração anti-humanista da competição a todo o custo. É tão somente uma questão de dignidade. Por muito que se queira passar a imagem que a dignidade é outra coisa, como Covões espelha nestas palavras: “Nós estamos a juntar uma onda de solidariedade no sentido de angariar alimentos e bens essenciais para fazer chegar às pessoas para terem a dignidade humana que eles merecem.” (10) A dignidade não pode ser apenas sobrevivência ou então não andamos aqui a fazer nada.
Depois confunde-se precariedade com liberdade. Um jogo de palavras que ajuda bastante quando chega a altura de sacudir a água do capote. Não espanta pois, que – para o mentor da EIN – cada um destes técnicos agora a passar por dificuldades seja “um empresário.” Em stricto sensu não custa admitir que é verdade, devido às novas regras tributárias e burocracias aparentadas. Mas convém não olhar para o mundo só à superfície. “Portugal é um país muito atípico em que a protecção aos empresários é negativa. Um empresário não tem direito a nada. Tanto os empresários com empresas com mais corpo, como o profissional liberal estão muito abandonados [é o que se chama comparar alhos com bugalhos] e portanto o que falta fazer é exactamente começar a pensar depois de voltarmos à normalidade como é que conseguimos encontrar uma forma de ter um sistema de protecção para todos os que trabalham no sector da cultura que não seja o Estado que a gente já sabe que depois aquilo não vai correr bem.” (5)
E se o Estado não é solução para (quase) nada – como veremos mais à frente em pormenor – “nós temos que encontrar uma situação para que nunca mais [aconteçam] situações que nos são relatadas de profissionais da nossa área que estão a passar fome. Isso é uma coisa que não pode acontecer portanto nós temos que criar essa protecção.” (5) Nós aqui deverá ser a APEFE? Os próprios profissionais liberais ou, utilizando o léxico novo, “empresários”? E isso passará por quê? Vínculos laborais mais sólidos? Diminuição da precariedade? Novas formas de contratos sem ser ao quilo? As pessoas serem mais poupadinhas? As duas forças antagónicas – os milhares de Davids e as dezenas de Golias – em conjunto a remar para o mesmo lado? Uma coisa é certa. Neste momento “esse grupo [de profissionais] já tem mais de 3 mil e 100 assinaturas num grupo de facebook e era bom que as pessoas fossem ver que há pessoas a passar fome. Há pessoas a passar fome” (7) , reforça “porque o rendimento que eles tinham era o rendimento para pagar o dia-a-dia e já passou um mês.” (7) Se o rendimento era para pagar o dia-a-dia já começamos muito mal. Mas tendo em conta que os eventuais reembolsos nos grandes eventos (com os bilhetes mais caros) só vai acontecer a partir de Janeiro de 2022 já se fazia uma bela vaquinha para ajudar quem mais precisa.
Há uma expressão muito adorada pela direita supostamente mais liberal que nos diz que não pode haver liberdade sem liberdade económica. Atribuída a Milton Friedman, um dos poster boys da famosa escola de Chicago e figura omnipresente nos sonhos molhados dos saudosistas do actor presidente (ou será presidente actor?) e da dama de ferro ferrugento (não será por acaso que serviu de conselheiro a ambos), a frase está correcta. De facto, é impossível disfrutar da sensação de liberdade quando o rendimento que dispomos apenas cobre as despesas diárias. É um clima de ansiedade perpétuo que não se resolve com psicanálise, nem com os comprimidos da felicidade, nem com reiki ou cristais e nem sequer com meditação. Resolve-se com mudanças profundas no modelo de sociedade que construímos todos os dias. Ou então fica tudo na mesma e “lá vamos, cantando e rindo” como diz o hino daquela associação benemérita de ocupação dos tempos livres onde pontificou como alto dirigente o progenitor da figura cimeira do Estado na República Portuguesa. Vamos cantando e rindo, sim, mas sempre com vontade de chorar.
O mesmo Estado que, segundo Álvaro Covões, não soube “aprender com a História”, chegando a fazer uma analogia com o 11 de Setembro. “Aprendemos e o mundo agora está muito mais preparado para lidar com isso.” (7) Só um pequeno parêntesis aqui – se me permitem – para realçar a forma como se olha para o mundo. A própria divisão do mundo em 1.º, 2.º e 3.º já diz muito sobre a hierarquização da vida humana e isto vem fortalecer esse pensamento. O mundo pode estar mais preparado para ataques com aviões contra arranha-céus (certo!) mas estará o mundo mais preparado para lidar com ataques indiscriminados de drones, bloqueios profundamente imorais ou sanções económicas assassinas? Tavez esteja. Talvez não esteja. Eu tenho algumas reservas.
Sobre a pandemia que se instalou no mundo, Covões acha que “devíamos ter um plano. As autoridades de saúde de todos os países deviam ter um plano como as empresas têm. As empresas têm planos de emergência.” (6) Há uma coisa que é elementar, meu caro Watson. Os países não são empresas. Aliás, isto que nós estamos a assistir todos os dias advém precisamente daí. De achar que os países são para ser geridos como empresas. O resultado é este. Não há testes para toda a gente. Não há cuidados de saúde para toda a gente. Não há meios de protecção para toda a gente. E porquê? Porque é caro. Se pusermos num dos pratos da balança as vidas e no outro prato as finanças qual é que pesa mais? Quem é que carrega o fardo da doença, no tratamento, no internamento, na cura? São as empresas de prestação de cuidados de saúde ou os hospitais públicos?
A onda de “solidariedade” (com muitas aspas) que assolou a Europa quase toda, com as pessoas a assomarem às varandas e janelas para aplaudir o esforço heróico dos profissionais de saúde traduz-se em quê, em termos práticos? Numa luta que é profundamente desigual, e cujas regras estão viciadas à partida, o que é que se vai fazer quando passar mais esta crise? Vamos continuar a assistir impávidos e serenos à destruição de um Serviço Nacional de Saúde universal e não discriminatório? Mais… vamos continuar a votar em partidos que prosseguem esta linha? É essa a consequência lógica da gratidão que foi para as varandas? Vamos continuar a achar que deve ser permitido fazer negócio com a saúde? É normal alugar camas de hospital por preços exorbitantes no meio de uma pandemia global? É normal especular com preços de testes nesta altura?
Normal não será a melhor palavra. A palavra certa é ordinário. Tal como ordinária é a reacção da União Europeia aos pedidos de auxílio por parte da Itália. Enquanto a Alemanha e a França – só para citar os 2 maiores países da EU – cortavam as exportações de material médico quando a Itália mais precisava, um pequeno país das Caraíbas que está sofrer um perverso bloqueio (não lhe chamem embargo, por favor) desde 1960 enviava médicos para ajudar os italianos. Antes disso, o mesmo país já tinha permitido que os passageiros de um cruzeiro britânico com vários infectados desembarcassem na ilha depois do mesmo pedido ter sido recusado por praticamente toda a gente.
Em contrapartida, nas últimas semanas tem havido uma intensa actividade nas Nações Unidas, com os Estados Unidos a bloquearam a votação de um texto que rogava aos seus membros um completo cessar das hostilidades durante a pandemia. (11). E no mês passado foi rejeitada uma resolução apresentada pela Rússia (12). A primeira versão solicitava o abandono das guerras comerciais e medidas protecionistas, bem como o fim das sanções unilateriais sem o aval do Conselho de Segurança. Foi rejeitada pela União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e Ucrânia. A segunda versão deixou cair a referência às sanções unilaterais mas acrescentou um apelo à comunidade internacional para adoptar medidas no sentido de eliminar o uso de medidas económicas coercivas a países em vias de desenvolvimento. O resultado foi o mesmo, sendo rejeitada pela União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos Canadá, Japão e Coreia do Sul. E nós é que somos os bons da fita?
Vivemos num sistema predatório onde predomina a lei da selva, com os mais poderosos a decidirem o futuro do planeta e da humanidade a seu belo prazer, sem água vem nem água vai. Assistimos a lutas fratricidas para ver quem descobre uma vacina ou um tratamento suficientemente eficaz. Não em prol da suposta solidariedade escarrapachada nos outdoors que nos convencem que estamos todos juntos mas de uma vantagem económica que pode advir da vitória nesta corrida. No início do mês Álvaro Covões recordava: “Eu vi agora a correr que o presidente dos Estados Unidos ligou ao presidente Marcelo. Há um laboratório português que está a trabalhar em conjunto com os laboratórios americanos para desenvolver um medicamento. Será que vamos estar envolvidos nisto? Seria tão bom!” (5). Ao princípio julguei estar perante mais um episódio daquele patrioteirismo tão pindérico. O orgulho em ser português, a bandeira a baloiçar ao vento, os descobrimentos, as quinas, os cromos da bola, as conquistas e o império de outrora. Em canção, a glória antiga que volta a nós. Mas afinal ainda é mais sinistro: “Agora imaginem os royalties que a gente podia receber para Portugal se cada cidadão do mundo desse um dólar pelo medicamento de royalties para Portugal. Acabávamos com a dívida pública e depois o governo aí podia baixar os impostos.” (5)
Há duas hipóteses de olhar para este problema. Há o lado solidário que procura encontrar uma solução global, seja medicamento ou vacina, e disponibilizá-lo pelo mundo inteiro, independentemente da conta bancária de cada um. E existe o lado obsceno que procura obter lucro com a miséria alheia, naquilo que é a melhor descrição possível do mundo em que vivemos. Mas já antes, quando o vírus era um problema lá longe na China (à semelhança das centenas de milhares de crianças mortas anualmente em África devido à malária – isso não interessa nada! Longe da vista, longe do coração) a própria Ministra da Agricultura Maria do Céu Albuquerque afirmou que o vírus até podia ter “consequências bastante positivas” para as exportações portuguesas na China, como se isso fosse o mais importante. A escolha é entre salvar vidas e ganhar dinheiro. Isto é profundamente desumano e todas as conversas que partam daqui estão sempre envenenadas à partida. Pedindo emprestadas as palavras ao Secretário Geral da Federação Sindical Mundial, George Mavrikos: “There is no vaccine, nor will it be found, to humanize capitalism.”
Todas as autoridades de saúde têm um plano. Uns planos resultam melhores do que outros. Neste momento os resultados mais catastróficos são daqueles de países com os campeões dos partidos supostamente anti-sistema. Até esses têm um plano. Pode é ser um mau plano. Apontar o dedo à ameaça que vem do estrangeiro é um plano. Um plano execrável mas que costuma dar bons frutos junto da população mais alienada. Agora imaginem lá se o plano fosse elaborado por empresas. Covões contrapõe. “Nós temos um plano de emergência [nos eventos] para todo o tipo se situações.” (6) Replica a jornalista: “Mas não para um cenário destes como estamos a viver.” (6) Álvaro insiste: “Se o cenário decorresse em pleno evento, obviamente temos planos de emergência perante todos os cenários.” (6) Como se o país e o mundo fossem um imenso festival. A jornalista saca da manga o trunfo da pandemia. Resposta: “Só se fizermos seguros.” (6) E eu acrescento – olha merda! Ainda se lembram da lição mais importante do curso de Gestão?
Esta dicotomia público/privado é uma preocupação constante no discurso de Álvaro Covões e até dá um exemplo engraçado das reuniões com o Estado. “Agora, quando vou a uma reunião com o Estado, levo uma pastinha com os impostos que pagamos, para início de conversa. Quem gera impostos não pode ser tratado da mesma forma que quem não gera. Às vezes sinto que o Estado fala com a sociedade civil como se nós é que fôssemos os empregados deles.” (3) A suposta separação entre sociedade civil e Estado é uma falácia. O Estado não é uma entidade abstracta que se sustenta como por artes mágicas num pedestal inalcançável. O Estado somos nós todos. Pode funcionar melhor? Claro que pode. E deve! Mas aos olhos do Estado devemos ser todos iguais. A conversa do tratamento privilegiado para quem gera impostos ou para quem cria emprego pode ter alguma lógica em termos teóricos mas é preciso saber em que é que isso se vai materializar em termos práticos.
Estamos todos cansados da teoria que diz que os incentivos do Estado em termos fiscais (por exemplo) vai servir para a criação de mais emprego. Esta relação de causa efeito não é – muitas vezes – confirmada por uma coisa aborrecida chamada realidade. E também é preciso saber que tipo de emprego é que vai criar. Tendo em conta aquilo que foi explanado mais acima sobre na linha de trás do sector da cultura estarem todos com a corda ao pescoço porque os rendimentos só cobrem as despesas correntes não é muito abonatório. Podem afiançar que se está a falar de criação de riqueza mais do que criação de emprego. Isso gera mais impostos. Impostos geram receita para o Estado. O Estado somos todos nós, logo toda a gente ganha. Precisamente por isso é que é tão importante cobrá-los de forma proporcional. Quem ganha muito mais tem que contribuir mais. Quem ganha muito menos tem que contribuir com menos. Uma sociedade que não corrige essas injustiças é uma sociedade semelhante à plataforma que serve de premissa ao filme «El Hoyo» do realizador Galder Gaztelu-Urrutia. Quando o bolo chega cá abaixo já só sobram alguma migalhas. E por muitas migalhas que possam – por milagre – eventualmente sobrar serão sempre migalhas.
Álvaro Covões discorda em absoluto. “Termos que redistribuir pelos que têm menos é uma mentira. Nós, enquanto sector, quando o país precisou de todos os portugueses e todas as empresas e todos os sectores de actividade de uma forma generalizada… Subiram os impostos – todos disseram que sim. Quando de repente se está tudo bem está na altura de repor.” (13). E prossegue: “Não podemos esquecer que – nestes últimos 20 anos – tem havido, nos sucessivos governos, independentemente da cor política, o discurso de que os que têm mais é que têm que pagar.” (13) Últimos 20 anos. Desde 1998 até 2018. Sucessivos governos. Estamos a falar de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho e António Costa. Como dizia o primeiro figurão desta lista é fazer as contas.
Vivemos num país onde o discurso político é dominado pela Esquerda e ninguém nos avisou. Isto é muito idêntico ao ardil que nos diz a toda a hora que a comunicação social também está dominada pela Esquerda. Deve ser por isso que andam sempre com o cata-vento ideológico ao colo e que – a propósito – ainda há uns dias a TSF abriu a antena aos seus ouvintes para se pronunciarem sobre uma eventual proposta de confinamento para a comunidade cigana com a seguinte questão: Apoia a proposta do Chega, ou considera que ela é racista e inconstitucional? Vivemos sufocados por um imenso manto vermelho. Só falta tirar da cartola os três coelhinhos mágicos: Cuba, Coreia do Norte & Venezuela. A Santa Aliança que constitui o maior dos perigos para Humanidade.
É assaz curioso como a expressão da cassete pegou, no sentido em que o argumentário da Esquerda será sempre idêntico, imutável, firmemente agarrado ao passado, contrário ao progresso. Em oposição àqueles que lutam todo o dia até à exaustão por um país melhor, com novas ideias, em busca de um verdadeiro progresso. Serão nesse sentido forças progressivas, não é? A ironia maior é que por trás deste véu ilusório que parece muito jovem e dinâmico, com ideias fora da caixa e a coragem de arriscar, saindo da zona de conforto, se esconde o fedor bafiento das mesmas ideias de sempre, aquelas que têm efectivamente estado no centro do discurso político ao nível da decisão propriamente dita e ao nível da percepção dessa mesma decisão.
E isso não é só nos últimos 20 anos – já vem de muito longe. Teve algumas pequenas interrupções (logo a seguir à 2.ª Guerra Mundial na Europa ocidental - a única Europa que interessa - e há 45 anos em Portugal) mas rapidamente reentrou nos eixos e obteve uma vitória esmagadora a nível global quando a Bruxa Má conseguiu conferir o estatuto de dogma à sua sigla TINA (There Is No Alternative) em plena época dourada do Heavy Metal. A partir do momento em que não há alternativa a discussão está fechada. Está mais do que na hora de desfazer as tábuas dos Mandamentos. Ou então andamos sempre à volta do mesmo. E o mesmo é a reprodução ad nauseam daquela frase que fica muito bem no ouvido: há Estado a mais, com tudo o que isso acarreta. Estamos a falar de regras, leis, fiscalização.
Para Álvaro Covões “o Estado falhou completamente. As actividades em que o Estado meteu o pé como a ópera, como o bailado cada vez têm menos público e as actividades em que a sociedade civil e os empresários avançaram sozinhos, praticamente sem apoios sem nada – não são necessários [o Rock In Rio nunca, nunca, nunca – nem só por uma vez – beneficiou de qualquer isenção de taxas por parte da autarquia de Lisboa] – venceram como o pop-rock, os festivais.” (13). Conclui, pois, que “quem devia governar o país são as PMEs porque são as sobreviventes. Crise ou não crise. Pagam Segurança Social, pagam salários, criam riqueza, criam economia e depois lá vem mais uma lei.” (13). Sobre o festival Nos Alive, atesta: “estamos «abertos» 39 horas e somos fiscalizados por 100 pessoas diferentes: Eu hei-de encontrar um problema para te passar uma multa.” (13) E remata: “A máquina descobre por vezes que “temos um pequeno problema” e que “não se pode fazer.” (14)
Ainda assim, mesmo com estas leis, fiscalizações, regras, caças à multa, praticamente sem apoios que nunca na vida existiram e mesmo que, porventura, algum dia pudessem vir a existir também não seriam necessários, em entrevista vídeo à PME Magazine, Covões confessou ter facturado (no ano 2017) 24 milhões de euros em vendas, dos quais “entregou” 7 milhões em impostos ao Estado. Mais uma vez a força das palavras é importante. Entregar. Como se fosse uma oferta, um acto benemérito – “devia receber a medalha de mérito.” (13) É isto que “acontece quando a sociedade civil e o Estado se cruzam: o Estado fatura e criamos emprego temporário durante esse período.” Emprego temporário, assim mesmo à campeão. Tomem e embrulhem, esquerdalhos do pénis!
Mais uma ideia nova: “o Estado continua a viver, como não tem patrão, acima das suas possibilidades.” (3) E mais outra: “os políticos não têm espírito de gestores e deviam contratar profissionais para gerirem estas questões.” (3) Gerir o país como uma empresa com tecnocratas em todos os lugares de decisão. Já imaginaram que bom seria se isso pudesse acontecer na CGD ou nos hospitais? A imaginação é o limite porque é uma realidade – infelizmente – tão distante… E a ideia mais inovadora de todas. “Também oiço na televisão dizer, quando se fala em reduzir os quadros na função pública, que não pode ser. Mas ninguém pergunta «então quem é que paga?», tem de haver dinheiro para pagar! Quem estiver no privado, que somos nós, pagamos nós todos! Mas eu já estou farto de pagar! E estamos a rebentar. Depois ninguém compra jornais, ninguém compra bilhetes, porque não há pessoas para comprar! E vamos nós todos ao ar.” (3). A solução apresentada passa por mais do mesmo. “O que é que uma empresa faz quando tem défice? Tem de reduzir os custos. Qual é o peso maior? É pessoal. Isto é um economista a falar de uma forma fria: o que o Estado devia ter feito era reduzir o seu quadro de pessoal. Fala-se que o número certo são cem mil.” (3)
Como se pode constatar no gráfico abaixo, os dados oficiais dizem que os países europeus que supostamente têm funcionários públicos a mais são os que têm efectivamente menos. Ainda assim, foi na Espanha, Itália, Irlanda, Grécia e Portugal que incidiu essa lenga-lenga aquando dos pacotes de “ajuda” das instituições internacionais.
O problema desta gratificação imediata é que desaparece à mesma velocidade supersónica com que aparece. Então o que é que se pode fazer para além disso? Podemos fazer uma pausazita no scrole-daune do nosso perfil e tentar informar-nos um bocadinho mais. E como fazê-lo? Porque não tentar saber um pouco mais sobre a Everything Is New? A EIN é só uma marca. Por trás das marcas existem pessoas. E por trás da EIN está Álvaro Covões. Como a historiografia oficial nos dá uma imagem muitas vezes fantasiosa das pessoas (basta espreitar o trailer da nova série documental na NetoFilipe sobre o semideus Gui Portões), prefiro analisar as palavras do próprio. Acredito piamente que quando falamos revelamos muito mais sobre nós próprios do que à partida pensamos.
Os dados biográficos dizem-nos que Covões é o chamado self-made man que ganhou autossuficiência financeira muito cedo: “Trabalhava no bar do Coliseu [propriedade da família, quando foi adquirido pelo seu bisavô], desde os 14 anos. Como os espetáculos acontecem em horários desencontrados das aulas, até para aí ao segundo ano da faculdade sempre trabalhei a vender cervejas e a ganhar o meu dinheiro. (…) Nem precisava de mesada.” (3) Na universidade decidiu seguir Gestão à revelia da família onde aquilo que recebeu de mais significativo em termos de aprendizagem foi “uma coisa absolutamente extraordinária, aquilo que nos ensinam é senso comum.” (3) É esse senso comum que vai depois aplicar no seu trabalho nos mercados monetários, onde “era um money market dealer. Comprava e vendia dinheiro.” (3) Ora digam lá se isto não espicha senso comum em todas as letras. O bichinho do espectáculo, no entanto, nunca desapareceu e, primeiro em paralelo com a universidade, organizou um concerto da senhora dona Amália no Coliseu, e depois, em simultâneo com o trabalho nos mercados financeiros, esteve durante seis anos na Música no Coração (alguns de vocês devem ter bilhetes de concertos dos anos 90 com esta marca) ao lado de Luís Montez, outro dos pesos pesados dos organizadores de espectáculos em Portugal. A partir daí deu-se uma cisão, Álvaro Covões criou a Everything Is New e o resto é história.
Uma história de sucesso com facturação anual “na casa dos 18, vinte milhões” (3) e lucros que atingiram os 2.3 milhões de euros, segundo números de 2014 (4), e com 600 mil bilhetes vendidos no ano passado (5). Álvaro Covões tem igualmente as rádios Oxigénio e Radar, o Coliseu (por via familiar) e recentemente adquiriu o Campo Pequeno de mão dada com o fundo Horizon Equity Partners (onde pontificam rostos familiares do governo de Passos Coelho como o ex-Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações Sérgio Oliveira e o ex-Ministro da Economia Pires de Lima). Covões também é vice-Presidente da APEFE – Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos – que congrega 40 empresas que em 2019 foram responsáveis por 90% da receita de bilheteiras no país. (5) “No nosso sector a única classe, digamos, que tem uma associação e tem uma representatividade são os promotores. E estamos todos. Os grandes festivais e promotores que fazem os maiores eventos de música e culturais em Portugal são associados. Nos Alive, Super Bock Super Rock, Rock In Rio, Marés Vivas, Vodafone Paredes de Coura, Nos Primavera Sound, Meo Sudoeste, EDP Cool Jazz. Todos os grandes eventos fazem parte da nossa associação. Felizmente já estamos organizados e temos representatividade o que nos dá uma maior facilidade de dialogar com o Governo.” (6)
Existe assim uma concentração quase total de poderes no sector cultural onde a mesma associação tem nas suas mãos a organização dos espectáculos, as salas onde os espectáculos decorrem, o agenciamento dos artistas que fazem os espectáculos e os veículos (com as rádios que possuem e a influência que exercem em toda a comunicação social) para a promoção desses mesmo espectáculos. Fica aqui a ideia para podermos cogitar nos efeitos nefastos que isso pode ter em vários níveis. Em termos de diversidade cultural (não confundir com a aparência de diversidade que encontramos nos hipermercados) e até no próprio preço dos bilhetes. À luz de hoje, não deixa de ser curioso ler novamente as palavras de Covões sobre os ingressos: “sob o ponto de vista económico, são mais baratos do que há uns anos. Há um esforço permanente de manter preços ou baixar.” (3) É esta absoluta convergência que confere à APEFE a representatividade que tem junto do governo, a influência que pode condicionar as próprias políticas no sector cultural e a forma como se estabelecem as relações laborais entre patrões/trabalhadores ou – se forem muito modernos – entre empreendedor/colaborador ou – em novilíngua – entre visionário/profissional liberal.
Numa indústria que move milhões por ano, é interessante constatar a avalanche que se abateu sobre um “grupo de técnicos. Aquilo que nós chamamos a linha de trás, a linha invisível. As pessoas que fazem os espectáculos acontecer mas nunca ninguém se lembra deles.” (7) Verdade. Nunca ninguém se lembra deles. Registem isso. E não se esqueçam de sublinhar a palavra ninguém. “Existem milhares de pessoas que estão sem qualquer tipo de rendimento. Não trabalham por conta de outrem. Não eram funcionários nem de um teatro privado, nem de um teatro público, nem de nenhuma instituição ou de uma empresa. Eram profissionais liberais que eram contratados para estar uns dias num teatro, outros dias num congresso, outros dias num casamento, enfim. E neste momento não têm qualquer tipo de trabalho.” (7) A pergunta que tem que se colocar aqui não podia ser mais óbvia. Estes técnicos não são funcionários de ninguém porquê? Não há um trabalho para fazer?… Certo. Peço desculpa. Vivo no passado. O mundo mudou e temos que nos adaptar. É a chamada uberização do trabalho. Um conceito completamente novo que nunca antes existiu na história da humanidade. Tudo o que vem relatado na literatura neo-realista ou no cinema italiano muito comprometido política e socialmente dos anos 40/50 é pura ficção. Toda aquela gente que mendigava pelo Alentejo em busca de um dia de trabalho antes de 1974 é só um mural pintado de vermelho. A expressão “trabalho à jorna” nunca existiu.
Mas vamos prosseguir. “Uma quantidade imensa de empresários em nome próprio ou de profissionais liberais, como quisermos chamar, porque um bom roadie o que é que tem que fazer? Tem que se vender, vender o seu serviço.” (5) Isto é importante. Em primeiro lugar temos esta ideia de que tudo se pode vender, incluindo nós próprios. Já não bastava etiquetar tudo com um preço, desde a própria Natureza, a água e até o ar que se respira (8). Agora somos nós que temos que nos vender. Mas quando se constrói uma sociedade que assenta no lucro como sustentáculo fundamental este é o único resultado que se pode esperar. E antes que entrem em jogos semânticos sobre o significado da palavra vender, poupem-me! De uma vez por todas, as palavras têm significado. E quando se usa uma determinada palavra em detrimento de outra é uma escolha consciente. Aqui há tempos saiu um artigo muito acutilante no Público sobre esta mesmíssima temática. Vitor Balenciano explica que isto não é mais do que “a continuação da economia do senhor feudal sobre o servo, ou do amo sobre o escravo, numa lógica onde não há lugar para assumir uma existência plena. Há apenas a violência do simulacro ou da representação. Ser-se produto ou mercadoria em permanência.” (9)
Não é já uma questão de valorização profissional ou dessa aberração anti-humanista da competição a todo o custo. É tão somente uma questão de dignidade. Por muito que se queira passar a imagem que a dignidade é outra coisa, como Covões espelha nestas palavras: “Nós estamos a juntar uma onda de solidariedade no sentido de angariar alimentos e bens essenciais para fazer chegar às pessoas para terem a dignidade humana que eles merecem.” (10) A dignidade não pode ser apenas sobrevivência ou então não andamos aqui a fazer nada.
Depois confunde-se precariedade com liberdade. Um jogo de palavras que ajuda bastante quando chega a altura de sacudir a água do capote. Não espanta pois, que – para o mentor da EIN – cada um destes técnicos agora a passar por dificuldades seja “um empresário.” Em stricto sensu não custa admitir que é verdade, devido às novas regras tributárias e burocracias aparentadas. Mas convém não olhar para o mundo só à superfície. “Portugal é um país muito atípico em que a protecção aos empresários é negativa. Um empresário não tem direito a nada. Tanto os empresários com empresas com mais corpo, como o profissional liberal estão muito abandonados [é o que se chama comparar alhos com bugalhos] e portanto o que falta fazer é exactamente começar a pensar depois de voltarmos à normalidade como é que conseguimos encontrar uma forma de ter um sistema de protecção para todos os que trabalham no sector da cultura que não seja o Estado que a gente já sabe que depois aquilo não vai correr bem.” (5)
E se o Estado não é solução para (quase) nada – como veremos mais à frente em pormenor – “nós temos que encontrar uma situação para que nunca mais [aconteçam] situações que nos são relatadas de profissionais da nossa área que estão a passar fome. Isso é uma coisa que não pode acontecer portanto nós temos que criar essa protecção.” (5) Nós aqui deverá ser a APEFE? Os próprios profissionais liberais ou, utilizando o léxico novo, “empresários”? E isso passará por quê? Vínculos laborais mais sólidos? Diminuição da precariedade? Novas formas de contratos sem ser ao quilo? As pessoas serem mais poupadinhas? As duas forças antagónicas – os milhares de Davids e as dezenas de Golias – em conjunto a remar para o mesmo lado? Uma coisa é certa. Neste momento “esse grupo [de profissionais] já tem mais de 3 mil e 100 assinaturas num grupo de facebook e era bom que as pessoas fossem ver que há pessoas a passar fome. Há pessoas a passar fome” (7) , reforça “porque o rendimento que eles tinham era o rendimento para pagar o dia-a-dia e já passou um mês.” (7) Se o rendimento era para pagar o dia-a-dia já começamos muito mal. Mas tendo em conta que os eventuais reembolsos nos grandes eventos (com os bilhetes mais caros) só vai acontecer a partir de Janeiro de 2022 já se fazia uma bela vaquinha para ajudar quem mais precisa.
Há uma expressão muito adorada pela direita supostamente mais liberal que nos diz que não pode haver liberdade sem liberdade económica. Atribuída a Milton Friedman, um dos poster boys da famosa escola de Chicago e figura omnipresente nos sonhos molhados dos saudosistas do actor presidente (ou será presidente actor?) e da dama de ferro ferrugento (não será por acaso que serviu de conselheiro a ambos), a frase está correcta. De facto, é impossível disfrutar da sensação de liberdade quando o rendimento que dispomos apenas cobre as despesas diárias. É um clima de ansiedade perpétuo que não se resolve com psicanálise, nem com os comprimidos da felicidade, nem com reiki ou cristais e nem sequer com meditação. Resolve-se com mudanças profundas no modelo de sociedade que construímos todos os dias. Ou então fica tudo na mesma e “lá vamos, cantando e rindo” como diz o hino daquela associação benemérita de ocupação dos tempos livres onde pontificou como alto dirigente o progenitor da figura cimeira do Estado na República Portuguesa. Vamos cantando e rindo, sim, mas sempre com vontade de chorar.
O mesmo Estado que, segundo Álvaro Covões, não soube “aprender com a História”, chegando a fazer uma analogia com o 11 de Setembro. “Aprendemos e o mundo agora está muito mais preparado para lidar com isso.” (7) Só um pequeno parêntesis aqui – se me permitem – para realçar a forma como se olha para o mundo. A própria divisão do mundo em 1.º, 2.º e 3.º já diz muito sobre a hierarquização da vida humana e isto vem fortalecer esse pensamento. O mundo pode estar mais preparado para ataques com aviões contra arranha-céus (certo!) mas estará o mundo mais preparado para lidar com ataques indiscriminados de drones, bloqueios profundamente imorais ou sanções económicas assassinas? Tavez esteja. Talvez não esteja. Eu tenho algumas reservas.
Sobre a pandemia que se instalou no mundo, Covões acha que “devíamos ter um plano. As autoridades de saúde de todos os países deviam ter um plano como as empresas têm. As empresas têm planos de emergência.” (6) Há uma coisa que é elementar, meu caro Watson. Os países não são empresas. Aliás, isto que nós estamos a assistir todos os dias advém precisamente daí. De achar que os países são para ser geridos como empresas. O resultado é este. Não há testes para toda a gente. Não há cuidados de saúde para toda a gente. Não há meios de protecção para toda a gente. E porquê? Porque é caro. Se pusermos num dos pratos da balança as vidas e no outro prato as finanças qual é que pesa mais? Quem é que carrega o fardo da doença, no tratamento, no internamento, na cura? São as empresas de prestação de cuidados de saúde ou os hospitais públicos?
A onda de “solidariedade” (com muitas aspas) que assolou a Europa quase toda, com as pessoas a assomarem às varandas e janelas para aplaudir o esforço heróico dos profissionais de saúde traduz-se em quê, em termos práticos? Numa luta que é profundamente desigual, e cujas regras estão viciadas à partida, o que é que se vai fazer quando passar mais esta crise? Vamos continuar a assistir impávidos e serenos à destruição de um Serviço Nacional de Saúde universal e não discriminatório? Mais… vamos continuar a votar em partidos que prosseguem esta linha? É essa a consequência lógica da gratidão que foi para as varandas? Vamos continuar a achar que deve ser permitido fazer negócio com a saúde? É normal alugar camas de hospital por preços exorbitantes no meio de uma pandemia global? É normal especular com preços de testes nesta altura?
Normal não será a melhor palavra. A palavra certa é ordinário. Tal como ordinária é a reacção da União Europeia aos pedidos de auxílio por parte da Itália. Enquanto a Alemanha e a França – só para citar os 2 maiores países da EU – cortavam as exportações de material médico quando a Itália mais precisava, um pequeno país das Caraíbas que está sofrer um perverso bloqueio (não lhe chamem embargo, por favor) desde 1960 enviava médicos para ajudar os italianos. Antes disso, o mesmo país já tinha permitido que os passageiros de um cruzeiro britânico com vários infectados desembarcassem na ilha depois do mesmo pedido ter sido recusado por praticamente toda a gente.
Em contrapartida, nas últimas semanas tem havido uma intensa actividade nas Nações Unidas, com os Estados Unidos a bloquearam a votação de um texto que rogava aos seus membros um completo cessar das hostilidades durante a pandemia. (11). E no mês passado foi rejeitada uma resolução apresentada pela Rússia (12). A primeira versão solicitava o abandono das guerras comerciais e medidas protecionistas, bem como o fim das sanções unilateriais sem o aval do Conselho de Segurança. Foi rejeitada pela União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e Ucrânia. A segunda versão deixou cair a referência às sanções unilaterais mas acrescentou um apelo à comunidade internacional para adoptar medidas no sentido de eliminar o uso de medidas económicas coercivas a países em vias de desenvolvimento. O resultado foi o mesmo, sendo rejeitada pela União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos Canadá, Japão e Coreia do Sul. E nós é que somos os bons da fita?
Vivemos num sistema predatório onde predomina a lei da selva, com os mais poderosos a decidirem o futuro do planeta e da humanidade a seu belo prazer, sem água vem nem água vai. Assistimos a lutas fratricidas para ver quem descobre uma vacina ou um tratamento suficientemente eficaz. Não em prol da suposta solidariedade escarrapachada nos outdoors que nos convencem que estamos todos juntos mas de uma vantagem económica que pode advir da vitória nesta corrida. No início do mês Álvaro Covões recordava: “Eu vi agora a correr que o presidente dos Estados Unidos ligou ao presidente Marcelo. Há um laboratório português que está a trabalhar em conjunto com os laboratórios americanos para desenvolver um medicamento. Será que vamos estar envolvidos nisto? Seria tão bom!” (5). Ao princípio julguei estar perante mais um episódio daquele patrioteirismo tão pindérico. O orgulho em ser português, a bandeira a baloiçar ao vento, os descobrimentos, as quinas, os cromos da bola, as conquistas e o império de outrora. Em canção, a glória antiga que volta a nós. Mas afinal ainda é mais sinistro: “Agora imaginem os royalties que a gente podia receber para Portugal se cada cidadão do mundo desse um dólar pelo medicamento de royalties para Portugal. Acabávamos com a dívida pública e depois o governo aí podia baixar os impostos.” (5)
Há duas hipóteses de olhar para este problema. Há o lado solidário que procura encontrar uma solução global, seja medicamento ou vacina, e disponibilizá-lo pelo mundo inteiro, independentemente da conta bancária de cada um. E existe o lado obsceno que procura obter lucro com a miséria alheia, naquilo que é a melhor descrição possível do mundo em que vivemos. Mas já antes, quando o vírus era um problema lá longe na China (à semelhança das centenas de milhares de crianças mortas anualmente em África devido à malária – isso não interessa nada! Longe da vista, longe do coração) a própria Ministra da Agricultura Maria do Céu Albuquerque afirmou que o vírus até podia ter “consequências bastante positivas” para as exportações portuguesas na China, como se isso fosse o mais importante. A escolha é entre salvar vidas e ganhar dinheiro. Isto é profundamente desumano e todas as conversas que partam daqui estão sempre envenenadas à partida. Pedindo emprestadas as palavras ao Secretário Geral da Federação Sindical Mundial, George Mavrikos: “There is no vaccine, nor will it be found, to humanize capitalism.”
Todas as autoridades de saúde têm um plano. Uns planos resultam melhores do que outros. Neste momento os resultados mais catastróficos são daqueles de países com os campeões dos partidos supostamente anti-sistema. Até esses têm um plano. Pode é ser um mau plano. Apontar o dedo à ameaça que vem do estrangeiro é um plano. Um plano execrável mas que costuma dar bons frutos junto da população mais alienada. Agora imaginem lá se o plano fosse elaborado por empresas. Covões contrapõe. “Nós temos um plano de emergência [nos eventos] para todo o tipo se situações.” (6) Replica a jornalista: “Mas não para um cenário destes como estamos a viver.” (6) Álvaro insiste: “Se o cenário decorresse em pleno evento, obviamente temos planos de emergência perante todos os cenários.” (6) Como se o país e o mundo fossem um imenso festival. A jornalista saca da manga o trunfo da pandemia. Resposta: “Só se fizermos seguros.” (6) E eu acrescento – olha merda! Ainda se lembram da lição mais importante do curso de Gestão?
Esta dicotomia público/privado é uma preocupação constante no discurso de Álvaro Covões e até dá um exemplo engraçado das reuniões com o Estado. “Agora, quando vou a uma reunião com o Estado, levo uma pastinha com os impostos que pagamos, para início de conversa. Quem gera impostos não pode ser tratado da mesma forma que quem não gera. Às vezes sinto que o Estado fala com a sociedade civil como se nós é que fôssemos os empregados deles.” (3) A suposta separação entre sociedade civil e Estado é uma falácia. O Estado não é uma entidade abstracta que se sustenta como por artes mágicas num pedestal inalcançável. O Estado somos nós todos. Pode funcionar melhor? Claro que pode. E deve! Mas aos olhos do Estado devemos ser todos iguais. A conversa do tratamento privilegiado para quem gera impostos ou para quem cria emprego pode ter alguma lógica em termos teóricos mas é preciso saber em que é que isso se vai materializar em termos práticos.
Estamos todos cansados da teoria que diz que os incentivos do Estado em termos fiscais (por exemplo) vai servir para a criação de mais emprego. Esta relação de causa efeito não é – muitas vezes – confirmada por uma coisa aborrecida chamada realidade. E também é preciso saber que tipo de emprego é que vai criar. Tendo em conta aquilo que foi explanado mais acima sobre na linha de trás do sector da cultura estarem todos com a corda ao pescoço porque os rendimentos só cobrem as despesas correntes não é muito abonatório. Podem afiançar que se está a falar de criação de riqueza mais do que criação de emprego. Isso gera mais impostos. Impostos geram receita para o Estado. O Estado somos todos nós, logo toda a gente ganha. Precisamente por isso é que é tão importante cobrá-los de forma proporcional. Quem ganha muito mais tem que contribuir mais. Quem ganha muito menos tem que contribuir com menos. Uma sociedade que não corrige essas injustiças é uma sociedade semelhante à plataforma que serve de premissa ao filme «El Hoyo» do realizador Galder Gaztelu-Urrutia. Quando o bolo chega cá abaixo já só sobram alguma migalhas. E por muitas migalhas que possam – por milagre – eventualmente sobrar serão sempre migalhas.
Álvaro Covões discorda em absoluto. “Termos que redistribuir pelos que têm menos é uma mentira. Nós, enquanto sector, quando o país precisou de todos os portugueses e todas as empresas e todos os sectores de actividade de uma forma generalizada… Subiram os impostos – todos disseram que sim. Quando de repente se está tudo bem está na altura de repor.” (13). E prossegue: “Não podemos esquecer que – nestes últimos 20 anos – tem havido, nos sucessivos governos, independentemente da cor política, o discurso de que os que têm mais é que têm que pagar.” (13) Últimos 20 anos. Desde 1998 até 2018. Sucessivos governos. Estamos a falar de António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, José Sócrates, Passos Coelho e António Costa. Como dizia o primeiro figurão desta lista é fazer as contas.
Vivemos num país onde o discurso político é dominado pela Esquerda e ninguém nos avisou. Isto é muito idêntico ao ardil que nos diz a toda a hora que a comunicação social também está dominada pela Esquerda. Deve ser por isso que andam sempre com o cata-vento ideológico ao colo e que – a propósito – ainda há uns dias a TSF abriu a antena aos seus ouvintes para se pronunciarem sobre uma eventual proposta de confinamento para a comunidade cigana com a seguinte questão: Apoia a proposta do Chega, ou considera que ela é racista e inconstitucional? Vivemos sufocados por um imenso manto vermelho. Só falta tirar da cartola os três coelhinhos mágicos: Cuba, Coreia do Norte & Venezuela. A Santa Aliança que constitui o maior dos perigos para Humanidade.
É assaz curioso como a expressão da cassete pegou, no sentido em que o argumentário da Esquerda será sempre idêntico, imutável, firmemente agarrado ao passado, contrário ao progresso. Em oposição àqueles que lutam todo o dia até à exaustão por um país melhor, com novas ideias, em busca de um verdadeiro progresso. Serão nesse sentido forças progressivas, não é? A ironia maior é que por trás deste véu ilusório que parece muito jovem e dinâmico, com ideias fora da caixa e a coragem de arriscar, saindo da zona de conforto, se esconde o fedor bafiento das mesmas ideias de sempre, aquelas que têm efectivamente estado no centro do discurso político ao nível da decisão propriamente dita e ao nível da percepção dessa mesma decisão.
E isso não é só nos últimos 20 anos – já vem de muito longe. Teve algumas pequenas interrupções (logo a seguir à 2.ª Guerra Mundial na Europa ocidental - a única Europa que interessa - e há 45 anos em Portugal) mas rapidamente reentrou nos eixos e obteve uma vitória esmagadora a nível global quando a Bruxa Má conseguiu conferir o estatuto de dogma à sua sigla TINA (There Is No Alternative) em plena época dourada do Heavy Metal. A partir do momento em que não há alternativa a discussão está fechada. Está mais do que na hora de desfazer as tábuas dos Mandamentos. Ou então andamos sempre à volta do mesmo. E o mesmo é a reprodução ad nauseam daquela frase que fica muito bem no ouvido: há Estado a mais, com tudo o que isso acarreta. Estamos a falar de regras, leis, fiscalização.
Para Álvaro Covões “o Estado falhou completamente. As actividades em que o Estado meteu o pé como a ópera, como o bailado cada vez têm menos público e as actividades em que a sociedade civil e os empresários avançaram sozinhos, praticamente sem apoios sem nada – não são necessários [o Rock In Rio nunca, nunca, nunca – nem só por uma vez – beneficiou de qualquer isenção de taxas por parte da autarquia de Lisboa] – venceram como o pop-rock, os festivais.” (13). Conclui, pois, que “quem devia governar o país são as PMEs porque são as sobreviventes. Crise ou não crise. Pagam Segurança Social, pagam salários, criam riqueza, criam economia e depois lá vem mais uma lei.” (13). Sobre o festival Nos Alive, atesta: “estamos «abertos» 39 horas e somos fiscalizados por 100 pessoas diferentes: Eu hei-de encontrar um problema para te passar uma multa.” (13) E remata: “A máquina descobre por vezes que “temos um pequeno problema” e que “não se pode fazer.” (14)
Ainda assim, mesmo com estas leis, fiscalizações, regras, caças à multa, praticamente sem apoios que nunca na vida existiram e mesmo que, porventura, algum dia pudessem vir a existir também não seriam necessários, em entrevista vídeo à PME Magazine, Covões confessou ter facturado (no ano 2017) 24 milhões de euros em vendas, dos quais “entregou” 7 milhões em impostos ao Estado. Mais uma vez a força das palavras é importante. Entregar. Como se fosse uma oferta, um acto benemérito – “devia receber a medalha de mérito.” (13) É isto que “acontece quando a sociedade civil e o Estado se cruzam: o Estado fatura e criamos emprego temporário durante esse período.” Emprego temporário, assim mesmo à campeão. Tomem e embrulhem, esquerdalhos do pénis!
Mais uma ideia nova: “o Estado continua a viver, como não tem patrão, acima das suas possibilidades.” (3) E mais outra: “os políticos não têm espírito de gestores e deviam contratar profissionais para gerirem estas questões.” (3) Gerir o país como uma empresa com tecnocratas em todos os lugares de decisão. Já imaginaram que bom seria se isso pudesse acontecer na CGD ou nos hospitais? A imaginação é o limite porque é uma realidade – infelizmente – tão distante… E a ideia mais inovadora de todas. “Também oiço na televisão dizer, quando se fala em reduzir os quadros na função pública, que não pode ser. Mas ninguém pergunta «então quem é que paga?», tem de haver dinheiro para pagar! Quem estiver no privado, que somos nós, pagamos nós todos! Mas eu já estou farto de pagar! E estamos a rebentar. Depois ninguém compra jornais, ninguém compra bilhetes, porque não há pessoas para comprar! E vamos nós todos ao ar.” (3). A solução apresentada passa por mais do mesmo. “O que é que uma empresa faz quando tem défice? Tem de reduzir os custos. Qual é o peso maior? É pessoal. Isto é um economista a falar de uma forma fria: o que o Estado devia ter feito era reduzir o seu quadro de pessoal. Fala-se que o número certo são cem mil.” (3)
Como se pode constatar no gráfico abaixo, os dados oficiais dizem que os países europeus que supostamente têm funcionários públicos a mais são os que têm efectivamente menos. Ainda assim, foi na Espanha, Itália, Irlanda, Grécia e Portugal que incidiu essa lenga-lenga aquando dos pacotes de “ajuda” das instituições internacionais.
Mas mesmo que houvesse algum fundo de verdade nisso também não é consensual que a transferência das competências do Estado (é disso que se trata, afinal de contas) para o sector privado, quer em parcerias público-privadas, quer em concessões de âmbito mais alargado, seja benéfica para o próprio Estado e para as pessoas. Basta pensar nos negócios absolutamente ruinosos para todos nós que resultaram dessas parcerias na área rodoviária (15) e nas concessões de abastecimento de água. (16) O que não significa, como é óbvio, que não se procure uma convergência entre os dois sectores – público e privado. Mas essa convergência terá sempre que ser resultado de um nivelamento por cima e nunca por baixo, sob pena de ficar tudo na mesma ou pior ainda.
Além disso, estas divisões entre público/privado interessam a quem? Isto faz parte de uma estratégia muito bem concertada entre poder político, económico e comunicação social (ao fim e ao cabo é a mesma coisa, vem tudo em pacote Tetra Pak ou só em papel porque temos soluções verdes e lutamos por um(a) Better World) e que sempre procurou fomentar essa divisão. A variadíssimos níveis. Desde bandeirístico, entre nacional e estrangeiro, até de género, com uma suposta diferença quase genética entre homens e mulheres, passando pelos sindicatos – não foi por obra e graça do Espírito Santo (ou até pode ser, pelo menos com a sua bênção podem sempre contar) que surgiram cisões que deram origem ao aparecimento da UGT, a nível nacional, e da ICFTU/ITUC, a nível global.
Podemos recuar até à antiga Macedónia e encontramos a máxima divide et impera que sintetiza na perfeição esta doutrina mas se não quisermos recuar tão longe basta olhar em pormenor para todas as lutas laborais desde o final do século XIX até hoje. Até a própria legislação Jim Crow que legitimou a segregação racial nos Estados Unidos não pode ser desligada de um contexto de lutas laborais em que, pela primeira vez, havia uma união efectiva entre trabalhadores, independentemente do nível de pigmentação.
Isto é muito fácil de compreender. Enquanto andarmos a lutar entre nós pelas poucas migalhas que caem de cima nunca vamos poder provar uma fatia do bolo. Ou, por outras palavras, acham mesmo que a causa da nossa miséria é o funcionário público, a badalhoca da contabilidade, o estrangeiro, o preto, o muçulmano ou o cigano? Estes sim, estão todos juntos. Juntos nas últimas carruagens do comboio da novela gráfica «Le Transperceneige».
Numa sociedade onde o único sucesso concebível é o sucesso financeiro, não causa estranheza o obsessão com os números de Álvaro Covões. A sua formação mais virada para a área económica pode explicar muita coisa mas como a mais valiosa lição que aprendeu foi o bom senso a bota e a perdigota nem sequer toleram olhar uma para a outra. “As pessoas cultas, ligadas à cultura, dizem que o cinema é o arauto do país, o símbolo de um país, um país civilizado tem de ter um cinema próprio. Despendemos do erário público milhões de euros para o cinema e, por exemplo, para o fado, que é a nossa canção nacional, que é a única coisa que de facto vende e exporta, zero. Tirando o Manoel de Oliveira, o que é que nós somos no mundo do cinema? Quase nada. É claro que, se isso for escrito, vão-me odiar, mas é assim.” (3) João César Monteiro é um nome incontornável no Cinema. Cinema de nicho, pode ser, mas os filmes de Manoel de Oliveira não são propriamente blockbusters de bilheteiras. E nem têm que ser.
Este fétiche de só ligar àquilo que vende é profundamente preocupante se for aplicado a políticas culturais do Estado. O sector privado a organizar eventos na área da cultura pode-se dar ao luxo de ter preocupações exclusivamente comerciais. O Estado tem que ter outras preocupações, preocupações pedagógicas e educativas. Caso contrário, vamos andar aqui todos a ver, ler e a ouvir a mesma coisa.
Já aqui se falou mais acima como o Estado “falhou completamente” naquilo onde meteu o bedelho, como a ópera, o teatro e o bailado. Não sei se se pode rotular a Companhia Nacional de Bailado como um falhanço completo. Ou a Cinemateca Portuguesa. A não ser que estejamos agarrados ao conceito americano de winner/loser em que o sucesso é sempre monetário. É claro que os festivais e o suposto Pop/Rock são vencedores. Também não se está à espera que a mesma quantidade de público que acorre em massa ao Nos Alive vá encher o Teatro São Carlos para assistir à Tetralogia do Wagner.
E o Anel do Wagner é um exemplo curioso porque, mesmo sendo um evento que tem como público alvo um número muito restrito de pessoas (comparado até com as óperas normais, digamos assim), os bilhetes tiveram que ser comprados com meses largos de antecedência e depois de longas horas de espera na fila enorme da bilheteira. Agora se o espectáculo é rentável, se o investimento neste tipo de iniciativas vai fazer o país enriquecer… Isso depende sempre do que se entende por riqueza. O país não pode estar sequestrado pelo espectro tenebroso da finança e a cultura não deve estar refém da economia.
Da mesma forma, Covões assume-se “contra os subsídios. Não é que se deva acabar com os apoios, mas um subsídio é uma forma de controlar. A cultura tem de ser olhada de uma forma horizontal e não vertical. Um subsídio cria maus vícios. Em vez de financiar cultura, devíamos financiar as pessoas que não têm capacidade para aceder à cultura.” (3) Isto é uma questão pertinente porque estar dependente de subsídios não é a solução ideal para a criação artística. Até se pode correr o risco de cair na armadilha da auto-censura. Isso combate-se com uma visão muito clara daquilo que se quer fazer, sem abdicarmos dos nossos princípios.
O cineasta João César Monteiro (outros tempos, eu sei) é um excelente modelo de como se pode ser totalmente independente, sem se desviar um milímetro que seja das suas convicções. É essa independência que, ao invés de ser celebrada, é enxovalhada em público e fica para memória póstuma como se devem recordar na polémica fictícia do filme «Branca de Neve». Também podemos optar pelo caminho mais fácil. Se não há público não se faz, pura e simplesmente. Ficamos só com aquilo que é popular(ucho). É claro que financiar as pessoas é uma excelente ideia mas quando se vive com cigalhos é complicado. Ou quando os rendimentos só servem para cobrir as despesas do dia-a-dia. Estou-me a repetir. Pois… tem que ser.
Esta visão do Estado como máquina trituradora da liberdade da sociedade civil dura até chegar o vírus. Agora a ideia é o Estado, com todos os seus tentáculos, avançar para “medidas especiais acima das especiais”, através de um apoio directo ao sector cultural. “Quando em Portugal e nos outros países da Europa a economia retomar e voltar ao trabalho, aqueles sectores que ficarem proibidos de trabalhar, obviamente e objectivamente… a Europa, o Conselho Europeu, o Eurogrupo tem que subsidiar directamente essas empresas. E não estamos a falar em crédito porque não é justo que uns possam trabalhar e produzir e outros sejam obrigados a não produzir, verem a destruição de valor e não terem qualquer tipo de apoio. Isso é um problema da fase 2.” (7) Até porque estamos todos juntos, como afiança a gigantesca campanha de marketing dos últimos meses: “Nós que não estamos a trabalhar estamos todos no mesmo barco. Tem que vir ao de cima a solidariedade [uma solidariedadezinha com royalties escalfados já marchava]. Seja Europeia, seja dos governos de cada país mas obviamente que já não podemos estar a falar de financiamento, já temos que estar a falar de subsídios directos, injecção directa de dinheiro às empresas para se manterem.” (6) Ou seja, fazer o contrário daquilo que sempre defendemos que é – em bom português – mamar na teta do Estado.
É o modelo clássico do Estado a mais quando não me interessa e do Estado a menos quando preciso. E sim, situações excepcionais requerem medidas excepcionais – tudo bem. Mas é preciso ter bem presente qual é o significado disto quando até as próprias regras no sistema de layoff, segundo o Big Boss da EIN, deixam muito a desejar, demasiado baixo quando comparado com Espanha e França. E aqui já não é só do sector cultural que falamos: “Muitas empresas em muitos sectores vão perder competitividade porque as empresas no resto da Europa estão a ser muito mais apoiadas.” (7) É o chamado empreendedorismo de mão estendida, ou não tivessem muitas destas empresas amealhado lucros saborosos ao longo dos últimos anos e outras, inclusive, até distribuíram dividendos aos accionistas agora mesmo, em plena pandemia, depois de chumbadas as propostas na Assembleia da República que impediam excepcionalmente essa distribuição. (17)
Declarações interessantes quando ainda há pouco menos de quatro anos Covões se queixava que em Portugal “o 25 de abril não se fez. O Estado ainda acha que é dono e senhor disto tudo. Nós não mandamos nada. Isto não tem cor política, é transversal.” (14) A estratégia de vitimização aliada ao estigma de ser patrão. “É recorrente ver… que é uma coisa que eu acho feia. Sempre que uma empresa fecha é sempre o malandro do empresário que falhou. Se calhar roubou. É a imagem que se passa. Não é propriamente assim.” (13) Isto é unânime. Cada caso será um caso diferente. Umas vezes falham por culpa própria, outras vezes falham por culpa do mercado, outras vezes falham por outra coisa qualquer. E outras vezes não falham de todo.
Outro ponto a assinalar é a menção honrosa ao 25 de Abril. De há uns anos para cá finalmente começou a falar-se com mais insistência no conceito de apropriação cultural. Que, diga-se de passagem, não é um conceito novo. No que concerne ao 25 de Abril, tem existido, cada vez mais, se não uma apropriação cultural, pelo menos ideológica. É muito veiculada a teoria, hoje em dia, que o 25 de Abril não tem dono, é de todos e foi feito para todos. O 25 de Abril é evolução (correctíssimo), mas não é só isso – como se tentou branquear há uns anos. O 25 de Abril é Revolução. A revolução não se faz para todos, a revolução é sempre contra alguém. Porque… não! Nem hoje, nem amanhã, nem ontem – não estamos todos juntos. Isso é a mãe de todas as mentiras.
Covões considera que “o 25 de Abril criou um vazio. Os teatros e os cinemas não foram nacionalizados por um dia!” (3), exclama. “O governo caiu no dia em que ia nacionalizar os teatros e os cinemas em Portugal. Mas houve uma quebra, houve uma quebra de espetadores. E depois, quando a televisão começou a dar as telenovelas… As pessoas começaram a afastar-se, tinham pouco poder de compra, tinham medo de ir à rua porque havia assaltos e insegurança.” (3). Útil lição de História. O 25 de Abril trouxe uma quebra no poder de compra (vão a uma biblioteca e procurem o livro Conquistas da Revolução que compila a legislação aprovada logo à conquista da liberdade. Talvez fiquem com uma ideia mais fidedigna do que a revolução trouxe relativamente às condições de vida das pessoas) e mais assaltos e insegurança. Chama-se a isto uma visão microscópica de um mundo macrocósmico.
São as rançosas ladainhas que nos querem fazer engolir à força, tipo não se poder confundir liberdade com libertinagem, ou que o 25 de Abril trouxe liberdade a mais. Antigamente é que era bom, havia respeitinho. E comida com fartura. Toda a gente ia ver espectáculos e eram manadas de gente a passear por todo o lado. Podiam não ser respeitadas todas as liberdades mas ao menos havia segurança. Covões também considera ter sido um “privilegiado, tive oportunidade de ver, por exemplo, como é que viviam os artistas de Leste, dos países comunistas, que afinal aquilo que diziam não era tudo mentira.” (3) Eram tão pobres, tão pobre, tão pobres que nem tinham notas, só moedas. Faz lembrar aquele sketch dos Monty Python, «Four Yorkshiremen». Para além disso, “eles, quando vinham ao Coliseu, não tinham liberdade nenhuma(…) Não podiam sair sozinhos, só em grupo, eram maltratados, enfim, uma escravidão. E numa fase em que havia uma mentalização pró-comunista na sociedade portuguesa, imediatamente fui para o outro lado, porque aquilo não fazia sentido. Mas só porque conhecia uma verdade que toda a gente desconhecia. (…) Percebi que o Ocidente era o único regime verdadeiramente livre e democrático.” (3) Social-democracia, über alles!
Não será motivo de espanto a visão que tem das comemorações do 25 de Abril. “Eu estou preocupado com uma situação. Esta brincadeira do 25 de Abril parece que transmitiu a uma grande parte da população portuguesa que afinal já podemos sair à rua com mais facilidade. Se uns podem festejar eu também posso sair à rua. Uma infantilidade, uma falta de responsabilidade do senhor Presidente da Assembleia da República. Não devia ter feito o que fez. Por causa de uma brincadeira custava-me muito que estivéssemos a pôr isto tudo em causa.” (6) Agora que já passou um mês podemos medir com rigor os efeitos funestos que esse regabofe irresponsável causou no combate à pandemia. Catastróficos? Meh… Então tiramos outra carta do baralho. Que tal o 1.º de Maio? “Eu acho que isto é de um mau gosto… Eu nem quero olhar para aquelas imagens. Os portugueses respeitaram e estão confinados. Ainda hoje estamos a ver um controle policial. Um português não pode visitar os seus pais, os seus familiares, se morarem noutro concelho. Portanto é melhor passarmos à frente. A sério, acho que isto é uma brincadeira de muito mau gosto portanto vamos passar à frente.” (5) Já perceberam? O problema disto não é o Álvaro Covões. O problema é que existem muitos Álvaros Covões por aí. Pessoas com peso que podem influenciar e manipulam – com maior ou menor grau de consciência – a opinião pública. O pastor que guia o rebanho de lemingues.
Além disso, estas divisões entre público/privado interessam a quem? Isto faz parte de uma estratégia muito bem concertada entre poder político, económico e comunicação social (ao fim e ao cabo é a mesma coisa, vem tudo em pacote Tetra Pak ou só em papel porque temos soluções verdes e lutamos por um(a) Better World) e que sempre procurou fomentar essa divisão. A variadíssimos níveis. Desde bandeirístico, entre nacional e estrangeiro, até de género, com uma suposta diferença quase genética entre homens e mulheres, passando pelos sindicatos – não foi por obra e graça do Espírito Santo (ou até pode ser, pelo menos com a sua bênção podem sempre contar) que surgiram cisões que deram origem ao aparecimento da UGT, a nível nacional, e da ICFTU/ITUC, a nível global.
Podemos recuar até à antiga Macedónia e encontramos a máxima divide et impera que sintetiza na perfeição esta doutrina mas se não quisermos recuar tão longe basta olhar em pormenor para todas as lutas laborais desde o final do século XIX até hoje. Até a própria legislação Jim Crow que legitimou a segregação racial nos Estados Unidos não pode ser desligada de um contexto de lutas laborais em que, pela primeira vez, havia uma união efectiva entre trabalhadores, independentemente do nível de pigmentação.
Isto é muito fácil de compreender. Enquanto andarmos a lutar entre nós pelas poucas migalhas que caem de cima nunca vamos poder provar uma fatia do bolo. Ou, por outras palavras, acham mesmo que a causa da nossa miséria é o funcionário público, a badalhoca da contabilidade, o estrangeiro, o preto, o muçulmano ou o cigano? Estes sim, estão todos juntos. Juntos nas últimas carruagens do comboio da novela gráfica «Le Transperceneige».
Numa sociedade onde o único sucesso concebível é o sucesso financeiro, não causa estranheza o obsessão com os números de Álvaro Covões. A sua formação mais virada para a área económica pode explicar muita coisa mas como a mais valiosa lição que aprendeu foi o bom senso a bota e a perdigota nem sequer toleram olhar uma para a outra. “As pessoas cultas, ligadas à cultura, dizem que o cinema é o arauto do país, o símbolo de um país, um país civilizado tem de ter um cinema próprio. Despendemos do erário público milhões de euros para o cinema e, por exemplo, para o fado, que é a nossa canção nacional, que é a única coisa que de facto vende e exporta, zero. Tirando o Manoel de Oliveira, o que é que nós somos no mundo do cinema? Quase nada. É claro que, se isso for escrito, vão-me odiar, mas é assim.” (3) João César Monteiro é um nome incontornável no Cinema. Cinema de nicho, pode ser, mas os filmes de Manoel de Oliveira não são propriamente blockbusters de bilheteiras. E nem têm que ser.
Este fétiche de só ligar àquilo que vende é profundamente preocupante se for aplicado a políticas culturais do Estado. O sector privado a organizar eventos na área da cultura pode-se dar ao luxo de ter preocupações exclusivamente comerciais. O Estado tem que ter outras preocupações, preocupações pedagógicas e educativas. Caso contrário, vamos andar aqui todos a ver, ler e a ouvir a mesma coisa.
Já aqui se falou mais acima como o Estado “falhou completamente” naquilo onde meteu o bedelho, como a ópera, o teatro e o bailado. Não sei se se pode rotular a Companhia Nacional de Bailado como um falhanço completo. Ou a Cinemateca Portuguesa. A não ser que estejamos agarrados ao conceito americano de winner/loser em que o sucesso é sempre monetário. É claro que os festivais e o suposto Pop/Rock são vencedores. Também não se está à espera que a mesma quantidade de público que acorre em massa ao Nos Alive vá encher o Teatro São Carlos para assistir à Tetralogia do Wagner.
E o Anel do Wagner é um exemplo curioso porque, mesmo sendo um evento que tem como público alvo um número muito restrito de pessoas (comparado até com as óperas normais, digamos assim), os bilhetes tiveram que ser comprados com meses largos de antecedência e depois de longas horas de espera na fila enorme da bilheteira. Agora se o espectáculo é rentável, se o investimento neste tipo de iniciativas vai fazer o país enriquecer… Isso depende sempre do que se entende por riqueza. O país não pode estar sequestrado pelo espectro tenebroso da finança e a cultura não deve estar refém da economia.
Da mesma forma, Covões assume-se “contra os subsídios. Não é que se deva acabar com os apoios, mas um subsídio é uma forma de controlar. A cultura tem de ser olhada de uma forma horizontal e não vertical. Um subsídio cria maus vícios. Em vez de financiar cultura, devíamos financiar as pessoas que não têm capacidade para aceder à cultura.” (3) Isto é uma questão pertinente porque estar dependente de subsídios não é a solução ideal para a criação artística. Até se pode correr o risco de cair na armadilha da auto-censura. Isso combate-se com uma visão muito clara daquilo que se quer fazer, sem abdicarmos dos nossos princípios.
O cineasta João César Monteiro (outros tempos, eu sei) é um excelente modelo de como se pode ser totalmente independente, sem se desviar um milímetro que seja das suas convicções. É essa independência que, ao invés de ser celebrada, é enxovalhada em público e fica para memória póstuma como se devem recordar na polémica fictícia do filme «Branca de Neve». Também podemos optar pelo caminho mais fácil. Se não há público não se faz, pura e simplesmente. Ficamos só com aquilo que é popular(ucho). É claro que financiar as pessoas é uma excelente ideia mas quando se vive com cigalhos é complicado. Ou quando os rendimentos só servem para cobrir as despesas do dia-a-dia. Estou-me a repetir. Pois… tem que ser.
Esta visão do Estado como máquina trituradora da liberdade da sociedade civil dura até chegar o vírus. Agora a ideia é o Estado, com todos os seus tentáculos, avançar para “medidas especiais acima das especiais”, através de um apoio directo ao sector cultural. “Quando em Portugal e nos outros países da Europa a economia retomar e voltar ao trabalho, aqueles sectores que ficarem proibidos de trabalhar, obviamente e objectivamente… a Europa, o Conselho Europeu, o Eurogrupo tem que subsidiar directamente essas empresas. E não estamos a falar em crédito porque não é justo que uns possam trabalhar e produzir e outros sejam obrigados a não produzir, verem a destruição de valor e não terem qualquer tipo de apoio. Isso é um problema da fase 2.” (7) Até porque estamos todos juntos, como afiança a gigantesca campanha de marketing dos últimos meses: “Nós que não estamos a trabalhar estamos todos no mesmo barco. Tem que vir ao de cima a solidariedade [uma solidariedadezinha com royalties escalfados já marchava]. Seja Europeia, seja dos governos de cada país mas obviamente que já não podemos estar a falar de financiamento, já temos que estar a falar de subsídios directos, injecção directa de dinheiro às empresas para se manterem.” (6) Ou seja, fazer o contrário daquilo que sempre defendemos que é – em bom português – mamar na teta do Estado.
É o modelo clássico do Estado a mais quando não me interessa e do Estado a menos quando preciso. E sim, situações excepcionais requerem medidas excepcionais – tudo bem. Mas é preciso ter bem presente qual é o significado disto quando até as próprias regras no sistema de layoff, segundo o Big Boss da EIN, deixam muito a desejar, demasiado baixo quando comparado com Espanha e França. E aqui já não é só do sector cultural que falamos: “Muitas empresas em muitos sectores vão perder competitividade porque as empresas no resto da Europa estão a ser muito mais apoiadas.” (7) É o chamado empreendedorismo de mão estendida, ou não tivessem muitas destas empresas amealhado lucros saborosos ao longo dos últimos anos e outras, inclusive, até distribuíram dividendos aos accionistas agora mesmo, em plena pandemia, depois de chumbadas as propostas na Assembleia da República que impediam excepcionalmente essa distribuição. (17)
Declarações interessantes quando ainda há pouco menos de quatro anos Covões se queixava que em Portugal “o 25 de abril não se fez. O Estado ainda acha que é dono e senhor disto tudo. Nós não mandamos nada. Isto não tem cor política, é transversal.” (14) A estratégia de vitimização aliada ao estigma de ser patrão. “É recorrente ver… que é uma coisa que eu acho feia. Sempre que uma empresa fecha é sempre o malandro do empresário que falhou. Se calhar roubou. É a imagem que se passa. Não é propriamente assim.” (13) Isto é unânime. Cada caso será um caso diferente. Umas vezes falham por culpa própria, outras vezes falham por culpa do mercado, outras vezes falham por outra coisa qualquer. E outras vezes não falham de todo.
Outro ponto a assinalar é a menção honrosa ao 25 de Abril. De há uns anos para cá finalmente começou a falar-se com mais insistência no conceito de apropriação cultural. Que, diga-se de passagem, não é um conceito novo. No que concerne ao 25 de Abril, tem existido, cada vez mais, se não uma apropriação cultural, pelo menos ideológica. É muito veiculada a teoria, hoje em dia, que o 25 de Abril não tem dono, é de todos e foi feito para todos. O 25 de Abril é evolução (correctíssimo), mas não é só isso – como se tentou branquear há uns anos. O 25 de Abril é Revolução. A revolução não se faz para todos, a revolução é sempre contra alguém. Porque… não! Nem hoje, nem amanhã, nem ontem – não estamos todos juntos. Isso é a mãe de todas as mentiras.
Covões considera que “o 25 de Abril criou um vazio. Os teatros e os cinemas não foram nacionalizados por um dia!” (3), exclama. “O governo caiu no dia em que ia nacionalizar os teatros e os cinemas em Portugal. Mas houve uma quebra, houve uma quebra de espetadores. E depois, quando a televisão começou a dar as telenovelas… As pessoas começaram a afastar-se, tinham pouco poder de compra, tinham medo de ir à rua porque havia assaltos e insegurança.” (3). Útil lição de História. O 25 de Abril trouxe uma quebra no poder de compra (vão a uma biblioteca e procurem o livro Conquistas da Revolução que compila a legislação aprovada logo à conquista da liberdade. Talvez fiquem com uma ideia mais fidedigna do que a revolução trouxe relativamente às condições de vida das pessoas) e mais assaltos e insegurança. Chama-se a isto uma visão microscópica de um mundo macrocósmico.
São as rançosas ladainhas que nos querem fazer engolir à força, tipo não se poder confundir liberdade com libertinagem, ou que o 25 de Abril trouxe liberdade a mais. Antigamente é que era bom, havia respeitinho. E comida com fartura. Toda a gente ia ver espectáculos e eram manadas de gente a passear por todo o lado. Podiam não ser respeitadas todas as liberdades mas ao menos havia segurança. Covões também considera ter sido um “privilegiado, tive oportunidade de ver, por exemplo, como é que viviam os artistas de Leste, dos países comunistas, que afinal aquilo que diziam não era tudo mentira.” (3) Eram tão pobres, tão pobre, tão pobres que nem tinham notas, só moedas. Faz lembrar aquele sketch dos Monty Python, «Four Yorkshiremen». Para além disso, “eles, quando vinham ao Coliseu, não tinham liberdade nenhuma(…) Não podiam sair sozinhos, só em grupo, eram maltratados, enfim, uma escravidão. E numa fase em que havia uma mentalização pró-comunista na sociedade portuguesa, imediatamente fui para o outro lado, porque aquilo não fazia sentido. Mas só porque conhecia uma verdade que toda a gente desconhecia. (…) Percebi que o Ocidente era o único regime verdadeiramente livre e democrático.” (3) Social-democracia, über alles!
Não será motivo de espanto a visão que tem das comemorações do 25 de Abril. “Eu estou preocupado com uma situação. Esta brincadeira do 25 de Abril parece que transmitiu a uma grande parte da população portuguesa que afinal já podemos sair à rua com mais facilidade. Se uns podem festejar eu também posso sair à rua. Uma infantilidade, uma falta de responsabilidade do senhor Presidente da Assembleia da República. Não devia ter feito o que fez. Por causa de uma brincadeira custava-me muito que estivéssemos a pôr isto tudo em causa.” (6) Agora que já passou um mês podemos medir com rigor os efeitos funestos que esse regabofe irresponsável causou no combate à pandemia. Catastróficos? Meh… Então tiramos outra carta do baralho. Que tal o 1.º de Maio? “Eu acho que isto é de um mau gosto… Eu nem quero olhar para aquelas imagens. Os portugueses respeitaram e estão confinados. Ainda hoje estamos a ver um controle policial. Um português não pode visitar os seus pais, os seus familiares, se morarem noutro concelho. Portanto é melhor passarmos à frente. A sério, acho que isto é uma brincadeira de muito mau gosto portanto vamos passar à frente.” (5) Já perceberam? O problema disto não é o Álvaro Covões. O problema é que existem muitos Álvaros Covões por aí. Pessoas com peso que podem influenciar e manipulam – com maior ou menor grau de consciência – a opinião pública. O pastor que guia o rebanho de lemingues.
Esta exaltação nacional com o 1.º de Maio tem tido um eco muito forte nos mais variados âmbitos, culminando com uma entrevista perversa onde o jornalista Rodrigues Guedes de Carvalho massacrou a Ministra da Saúde com um chorrilho de disparates, desde as comparações absurdas com uma celebração religiosa num Estado laico até à suposta preocupação com a saúde de alguns dos intervenientes mais idosos. A maior celeuma causada pelo Dia do Trabalhador prende-se com a saúde pública, esquecendo-se que até se fizeram cerimónias em moldes semelhantes noutros países e não consta que isso tenha tido um efeito calamitoso no combate à pandemia.
Covões explica onde quer chegar: “Sendo certo uma coisa… Eu espero nunca mais ouvir na televisão as centrais sindicais dizerem que os trabalhadores só vão trabalhar se houver segurança. Hoje demonstraram que afinal trabalham sem segurança. Podem passar por cima das regras de segurança. Isso dá-me um alívio. Significa que finalmente vamos começar a trabalhar porque vamos ter que recuperar o tempo perdido. Nós perdemos 800 horas de trabalho é bom que a gente as recupere.” (5) A micose testicular provocada pelo 1.º de Maio está assim explicada. Álvaro Covões pode ser muita coisa – mas não é estúpido. Toda a gente com mais do que uma célula cerebral sabe que tipo de mensagem é que se está aqui a tentar transmitir.
O Dia do Trabalhador é uma celebração organizada (esta é a palavra chave) de modo a respeitar a distância social – basta ver as imagens. Eu até era capaz de levar as queixas a sério se alguém falasse dos hipermercados abertos e cheios de gente no mesmo 1.º de Maio – um dia que sempre foi sagrado. Ou se perdessem um minutinho a falar nas pessoas que foram obrigadas a trabalhar em pleno estado de emergência sem que houvesse nada de essencial para o funcionamento normal do país nas suas empresas. Ou se criticassem as empresas de transportes públicos por terem reduzido as carreiras em plena pandemia – porque com menos transportes é mais fácil manter a distância social.
E Associação Portuguesa de Centros Comerciais que queria à força os centros comerciais abertos já imediatamente, com a preocupação de estarem 100 mil pessoas sem trabalhar? Muito se preocupa o patronato com os seus “colaboradores”.
E a falta de equipamento de protecção em fábricas e hospitais? Mas não, o que interessa é que nas últimas semanas houve um aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo. A razão? O 1.º de Maio. Se calhar foi lá que os (pelo menos) 70 trabalhadores da empresa logística Sonae na Azambuja ficaram infetados. A sério que não vos ocorre mais nenhuma razão? Nada? Nem uma?
Não vos parece que isto são razões mais do que suficientes para assinalar uma data como o 1.º de Maio? A bengala da segurança é curta porque em declarações à Marketeer, Álvaro Covões queixou-se das... rolem os tambores... tabacarias: “Infelizmente, tem que se dizer isto, muitas tabacarias que tinham a obrigação de estar abertas decidiram fechar. E a linha da frente não são só os médicos. A linha da frente também são os vendedores de comunicação social. Portanto é uma crítica a algum sector que decidiu unilateralmente fechar quando tinha permissão para estar aberto e – no meu entender – já que tem uma licença, deveriam ter a obrigação de estar abertos.” (6) Se algumas tabacarias decidiram fechar portas certamente foi porque acharam que não tinham condições para estarem abertas. Estar a obrigar a abrir porque é preciso vender jornais parece-me uma medida um bocado intrusiva por parte de um Estado que se quer discreto e longe das opções individuais de cada empresário.
O Estado devia ficar sossegadinho no sítio dele. Mete-se onde não deve e onde se devia meter… viste-lo? É o viste… Covões puxa da memória até aos tempos que acumulava funções nos mercados financeiros (de dia) e na Música no Coração (à noite). “Era chegar a casa à meia-noite, todos os dias. E sair às oito. Depois tive de desistir, já nem tinha férias, não aguentava. Tínhamos os dois, o Luís [Montez] também trabalhava noutro lado. Começámos como part-time. Mas depois tivemos de trabalhar mais… É do que este país precisa, de gente que trabalhe. As pessoas têm de trabalhar mais! Há bocadinho estávamos a falar da crise, só oiço dizer assim: «Temos de aumentar produtividade». Mas ninguém diz que temos de trabalhar mais!” (3), exclama. Aumentar a produtividade? Sim, claro! Como é que se faz isso? Trabalhando mais? Ou trabalhando melhor? Segundo dados oficiais do Eurostat estes são os países europeus onde as pessoas trabalham mais horas por semana.
Covões explica onde quer chegar: “Sendo certo uma coisa… Eu espero nunca mais ouvir na televisão as centrais sindicais dizerem que os trabalhadores só vão trabalhar se houver segurança. Hoje demonstraram que afinal trabalham sem segurança. Podem passar por cima das regras de segurança. Isso dá-me um alívio. Significa que finalmente vamos começar a trabalhar porque vamos ter que recuperar o tempo perdido. Nós perdemos 800 horas de trabalho é bom que a gente as recupere.” (5) A micose testicular provocada pelo 1.º de Maio está assim explicada. Álvaro Covões pode ser muita coisa – mas não é estúpido. Toda a gente com mais do que uma célula cerebral sabe que tipo de mensagem é que se está aqui a tentar transmitir.
O Dia do Trabalhador é uma celebração organizada (esta é a palavra chave) de modo a respeitar a distância social – basta ver as imagens. Eu até era capaz de levar as queixas a sério se alguém falasse dos hipermercados abertos e cheios de gente no mesmo 1.º de Maio – um dia que sempre foi sagrado. Ou se perdessem um minutinho a falar nas pessoas que foram obrigadas a trabalhar em pleno estado de emergência sem que houvesse nada de essencial para o funcionamento normal do país nas suas empresas. Ou se criticassem as empresas de transportes públicos por terem reduzido as carreiras em plena pandemia – porque com menos transportes é mais fácil manter a distância social.
E Associação Portuguesa de Centros Comerciais que queria à força os centros comerciais abertos já imediatamente, com a preocupação de estarem 100 mil pessoas sem trabalhar? Muito se preocupa o patronato com os seus “colaboradores”.
E a falta de equipamento de protecção em fábricas e hospitais? Mas não, o que interessa é que nas últimas semanas houve um aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo. A razão? O 1.º de Maio. Se calhar foi lá que os (pelo menos) 70 trabalhadores da empresa logística Sonae na Azambuja ficaram infetados. A sério que não vos ocorre mais nenhuma razão? Nada? Nem uma?
Não vos parece que isto são razões mais do que suficientes para assinalar uma data como o 1.º de Maio? A bengala da segurança é curta porque em declarações à Marketeer, Álvaro Covões queixou-se das... rolem os tambores... tabacarias: “Infelizmente, tem que se dizer isto, muitas tabacarias que tinham a obrigação de estar abertas decidiram fechar. E a linha da frente não são só os médicos. A linha da frente também são os vendedores de comunicação social. Portanto é uma crítica a algum sector que decidiu unilateralmente fechar quando tinha permissão para estar aberto e – no meu entender – já que tem uma licença, deveriam ter a obrigação de estar abertos.” (6) Se algumas tabacarias decidiram fechar portas certamente foi porque acharam que não tinham condições para estarem abertas. Estar a obrigar a abrir porque é preciso vender jornais parece-me uma medida um bocado intrusiva por parte de um Estado que se quer discreto e longe das opções individuais de cada empresário.
O Estado devia ficar sossegadinho no sítio dele. Mete-se onde não deve e onde se devia meter… viste-lo? É o viste… Covões puxa da memória até aos tempos que acumulava funções nos mercados financeiros (de dia) e na Música no Coração (à noite). “Era chegar a casa à meia-noite, todos os dias. E sair às oito. Depois tive de desistir, já nem tinha férias, não aguentava. Tínhamos os dois, o Luís [Montez] também trabalhava noutro lado. Começámos como part-time. Mas depois tivemos de trabalhar mais… É do que este país precisa, de gente que trabalhe. As pessoas têm de trabalhar mais! Há bocadinho estávamos a falar da crise, só oiço dizer assim: «Temos de aumentar produtividade». Mas ninguém diz que temos de trabalhar mais!” (3), exclama. Aumentar a produtividade? Sim, claro! Como é que se faz isso? Trabalhando mais? Ou trabalhando melhor? Segundo dados oficiais do Eurostat estes são os países europeus onde as pessoas trabalham mais horas por semana.
Os malandros dos gregos que passam o dia nos cafés agarrados ao frappé estão bem à frente e os portugueses também não estão nada mal. Pelo menos em comparação com os países onde existe uma maior produtividade. Poderá isto significar que não existe uma relação assim tão linear entre carga horária e produtividade? Pode lá ser… Quanto mais horas se trabalha, mais se produz. Não se está mesmo a ver? Os nórdicos – que asnos! – ainda não descobriram o segredo. O que interessa é estar no escritório/fábrica/onde for a bater punho o dia todo. Estarmos a preocupar-nos com insignificâncias como uma melhor organização do trabalho é para meninos. E por falar em meninos, Covões recorda os anos passados a servir bebidas no bar do Coliseu e suspira por tempos de antanho: “Na cultura portuguesa... não há esta coisa de pôr os miúdos a trabalhar, o que me faz uma confusão…” (3) É uma chatice, de facto. Andam aí os miúdos ao Deus dará quando podiam estar a trabalhar.
Se os miúdos não trabalham nada aqui em Portugal, os adultos trabalham muito pouco. Remando contra a maré de todas as evidências, Covões insiste na tecla da carga horária. “Aumentaram a carga horária de trabalho na função pública... Sim, fantástico. E toda a gente a protestar que é uma injustiça” (3), ri-se. “Quem é que, no privado, trabalha só quarenta horas por semana?” (3) Quem é que no privado (e no Estado) recebe as horas extra que trabalha para lá dessas quarenta? Isso é que devia dar para gargalhar. Quem não se ficava a rir era o empresário empreendedor se o Estado fosse lá caçar uma multazinha.
Em tempos de pós-pandemia está – portanto – encontrada a fórmula mágica. “O que nós precisamos agora para o futuro é exactamente isso, é trabalho.” (7) Nem mais. “E por acaso é uma palavra que se tem ouvido falar pouco. Eu acho que temos que começar a mudar o nosso léxico e temos que pensar que quando voltarmos ao nosso dia a dia, mesmo que seja faseado, há uma coisa que temos que fazer. Vamos ter que trabalhar todos mais porque é a única forma de compensar e não passar por mais uma crise económica diabólica.” Como? “Já estamos todos cansados. Em vez de trabalharmos 40 horas, se calhar vamos ter que trabalhar 45 horas por semana porque temos que recuperar. É fundamental recuperar o país e a economia e só vamos conseguir se produzirmos mais porque não há milagres.” (7) Não há milagres a não ser o milagre da multiplicação do horário de trabalho.
“A solução é muito simples” (5), prossegue. “Nós perdemos 800 horas de trabalho. Eu espero que agora haja o bom senso de quando voltarmos à normalidade em vez de trabalharmos 40 horas por semana vamos ter que trabalhar 45 horas por semana. Os trabalhadores vão ter que trabalhar no sentido de salvar as suas empresas, os empresários vão ter que trabalhar junto com os trabalhadores no sentido de preservarem os postos de trabalho e todos em conjunto vamos trabalhar para aumentar o PIB para que o Estado também não entre em problemas económicos e isto só se faz duma maneira.” (5) Na verdade, e resgatando parte do seu próprio discurso, já estamos cansados. O povo é analfabeto mas não é burro. Já diziam os antigos que o burro se albarda à vontade do dono. E a vontade do dono é sempre a mesma.
“É trabalhar mais” (5), insiste. “Se perdemos 800 horas é fazer as contas. 5 horas por semana. Quantas semanas é que vamos ter que trabalhar mais para podermos recuperar? Agora se viermos com a conversa do costume que vamos mas é só trabalhar 30 horas então é melhor irmos todos para o metro pedir porque isto não vai ter solução.” (5) Mais uma vez não há alternativa. Ou é assim ou sopas (dos pobres). Ou levas a bem, ou levas a mal. Mas levas.
“Mesmo em layoff as pessoas que receberam ficaram em casa sem produzir e acham que não vão ter que retribuir?”, (5) pergunta. Malandros dos trabalhadores que ficaram de férias fechados em casa a massajar os tintins e ainda por cima a receber. Uma vergonha! “Portanto a única forma de não termos uma crise é trabalharmos todos mais. Eu não quero ter mais outra crise.” (5) Mas a crise não pode ser uma oportunidade? Não é nas crises que se vê o melhor das pessoas? Know what I mean? Know what I mean? Nudge, nudge, Say no more. Álvaro "Moisés" Covões separa as águas. “Bem. Nós trabalhamos sempre muito” (5) admite. “Nós na cultura é comum. Empresários, trabalhadores. Isto não se aplica ao nosso sector, é uma verdade.” (5) Alto e pára o baile! Nós – Bom! Outros – Mau! “Mas para os outros sectores epá, aprendam connosco. Nós para conseguirmos alguma coisa e chegarmos onde chegámos foi a trabalhar muito. Não foi a olhar para o relógio e dizer assim: «Já está na hora». Não. Agora vai ser altura de dizer assim: «Não. Eu vou dar mais uma hora porque eu tenho que ajudar a recuperar a empresa».” (5) Porque estamos todos juntos. Isto seria muito bonito se esta frase tivesse algum sentido. Quando a empresa está mal convoca-se os empregados para ajudar a resolver o problema. Quando está de vento em popa distribui-se os dividendos pelos accionistas.
No período imediatamente a seguir ao 25 de Abril os trabalhadores foram convocados para uma iniciativa chamada Dia de Trabalho para a Nação, onde iriam oferecer um dia do seu trabalho. (18) Aconteceu por duas vezes, a primeira no dia 6 de outubro de 1974 (um domingo) e a segunda no feriado do 10 de junho de 1975. E as pessoas aderiram em número muito significativo. Aderiram porque estavam empenhadas em construir um mundo melhor, um mundo mais justo.
“Daqui a um mês vão abrir as salas. Nós não sabemos em que condições e portanto temos que fazer tudo a partir de hoje até ao dia 1 de Junho para que os públicos voltem às salas. Temos que nos organizar para garantir trabalho a toda essa gente. Gente também da linha de trás, não só os artistas, às salas, às empresas de audiovisuais, aos técnicos. A toda essa gente temos que garantir um trabalho. Se calhar não vão ganhar nesta fase inicial o mesmo que ganhavam mas têm que ter uma coisa. Têm que ter a dignidade de poderem ganhar o dinheiro para poderem levar a comida para casa ao fim do dia e isso é uma coisa muito importante – é a dignidade de terem um trabalho e poderem trabalhar.” (5) Trocado por miúdos… por um lado alguns de nós vamos ter de trabalhar mais uma hora. Mas, por outro lado, alguns se calhar também vão ter que ganhar menos. Se houvesse uma forma de misturar isto tudo (aumento da carga horária e diminuição do salário) chamava-lhe um figo. E em nome de quê? Em nome da dignidade de meter comida na mesa. Porque ao menos salvaguardamos os postos de trabalho. É esta a diferença entre os anos 70 e agora. Isto não serve para construir um mundo melhor. Nem um mundo mais justo. Nem sabemos bem para que isto serve. É uma tábua de salvação? Ou o lastro que nos arrasta para o fundo do poço?
Nós podemos dizer que isto é um momento excepcional. Nunca se viu uma situação assim. Temos todos que fazer um esforço. Voltando ao início são “medidas especiais acima das especiais”. Mas quantas medidas excepcionais já tivemos desde o fatídico dia 25 de Novembro de 1975? Quantas crises? Não queremos outra crise? O problema é que as crises são inevitáveis. A História ensina-nos isso mesmo. É um universo cíclico de crises atrás de crises. Apesar de não estarmos todos no mesmo barco partilhamos o mesmo oceano. Uns passam ao largo de iate ou veleiro, outros remam com esforço para levar o barco a bom porto mas a maior parte de nós nem uma reles jangada tem ao seu dispor. Andamos aqui todos agarrados a uma bóia que nos prende à vida. Só que as bóias que nos permitem manter à toa estão todas esburacadas e os remendos estão esgotados.
Mas – a cereja em cima do bolo – já no início de Janeiro de 2019, numa crónica de opinião gravada para a TSF, Covões avançava com a mesma ideia para resolver o défice do Estado. “Se calhar temos de trabalhar mais. Quando se discute as 35 e as 40 horas se calhar não estamos certos, porque o dinheiro não chega e se o dinheiro não chega, só há uma forma: é trabalhar mais. Se calhar se todos trabalhássemos mais uma hora este Portugal estaria bem melhor.” (19) Por isso é que toda esta conversa de um regime de excepção, do é só esta vez, do estamos todos juntos no mesmo barco… é só conversa. Uma cortina de fumo para nos toldar a vista. Abram os olhos enquanto ainda conseguem discernir alguma coisa.
Já perceberam agora para que é que serviu aquilo no 1.º de Maio? Estamos cansados da mesma homilia, já chega de nos afagarem o pêlo enquanto nos esgaçam o esfíncter. Ninguém nos ouve. Em vez de espumarem raiva por cerimónias que evocam a luta dos trabalhadores como vocês, ao mesmo tempo que passam a pomada no cuzinho, lembrem-se que aquela podia ser a vossa voz. Não serão os Álvaros Covões nem a APEFE desta vida que vão defender os vossos direitos.
25.05.2020
Se os miúdos não trabalham nada aqui em Portugal, os adultos trabalham muito pouco. Remando contra a maré de todas as evidências, Covões insiste na tecla da carga horária. “Aumentaram a carga horária de trabalho na função pública... Sim, fantástico. E toda a gente a protestar que é uma injustiça” (3), ri-se. “Quem é que, no privado, trabalha só quarenta horas por semana?” (3) Quem é que no privado (e no Estado) recebe as horas extra que trabalha para lá dessas quarenta? Isso é que devia dar para gargalhar. Quem não se ficava a rir era o empresário empreendedor se o Estado fosse lá caçar uma multazinha.
Em tempos de pós-pandemia está – portanto – encontrada a fórmula mágica. “O que nós precisamos agora para o futuro é exactamente isso, é trabalho.” (7) Nem mais. “E por acaso é uma palavra que se tem ouvido falar pouco. Eu acho que temos que começar a mudar o nosso léxico e temos que pensar que quando voltarmos ao nosso dia a dia, mesmo que seja faseado, há uma coisa que temos que fazer. Vamos ter que trabalhar todos mais porque é a única forma de compensar e não passar por mais uma crise económica diabólica.” Como? “Já estamos todos cansados. Em vez de trabalharmos 40 horas, se calhar vamos ter que trabalhar 45 horas por semana porque temos que recuperar. É fundamental recuperar o país e a economia e só vamos conseguir se produzirmos mais porque não há milagres.” (7) Não há milagres a não ser o milagre da multiplicação do horário de trabalho.
“A solução é muito simples” (5), prossegue. “Nós perdemos 800 horas de trabalho. Eu espero que agora haja o bom senso de quando voltarmos à normalidade em vez de trabalharmos 40 horas por semana vamos ter que trabalhar 45 horas por semana. Os trabalhadores vão ter que trabalhar no sentido de salvar as suas empresas, os empresários vão ter que trabalhar junto com os trabalhadores no sentido de preservarem os postos de trabalho e todos em conjunto vamos trabalhar para aumentar o PIB para que o Estado também não entre em problemas económicos e isto só se faz duma maneira.” (5) Na verdade, e resgatando parte do seu próprio discurso, já estamos cansados. O povo é analfabeto mas não é burro. Já diziam os antigos que o burro se albarda à vontade do dono. E a vontade do dono é sempre a mesma.
“É trabalhar mais” (5), insiste. “Se perdemos 800 horas é fazer as contas. 5 horas por semana. Quantas semanas é que vamos ter que trabalhar mais para podermos recuperar? Agora se viermos com a conversa do costume que vamos mas é só trabalhar 30 horas então é melhor irmos todos para o metro pedir porque isto não vai ter solução.” (5) Mais uma vez não há alternativa. Ou é assim ou sopas (dos pobres). Ou levas a bem, ou levas a mal. Mas levas.
“Mesmo em layoff as pessoas que receberam ficaram em casa sem produzir e acham que não vão ter que retribuir?”, (5) pergunta. Malandros dos trabalhadores que ficaram de férias fechados em casa a massajar os tintins e ainda por cima a receber. Uma vergonha! “Portanto a única forma de não termos uma crise é trabalharmos todos mais. Eu não quero ter mais outra crise.” (5) Mas a crise não pode ser uma oportunidade? Não é nas crises que se vê o melhor das pessoas? Know what I mean? Know what I mean? Nudge, nudge, Say no more. Álvaro "Moisés" Covões separa as águas. “Bem. Nós trabalhamos sempre muito” (5) admite. “Nós na cultura é comum. Empresários, trabalhadores. Isto não se aplica ao nosso sector, é uma verdade.” (5) Alto e pára o baile! Nós – Bom! Outros – Mau! “Mas para os outros sectores epá, aprendam connosco. Nós para conseguirmos alguma coisa e chegarmos onde chegámos foi a trabalhar muito. Não foi a olhar para o relógio e dizer assim: «Já está na hora». Não. Agora vai ser altura de dizer assim: «Não. Eu vou dar mais uma hora porque eu tenho que ajudar a recuperar a empresa».” (5) Porque estamos todos juntos. Isto seria muito bonito se esta frase tivesse algum sentido. Quando a empresa está mal convoca-se os empregados para ajudar a resolver o problema. Quando está de vento em popa distribui-se os dividendos pelos accionistas.
No período imediatamente a seguir ao 25 de Abril os trabalhadores foram convocados para uma iniciativa chamada Dia de Trabalho para a Nação, onde iriam oferecer um dia do seu trabalho. (18) Aconteceu por duas vezes, a primeira no dia 6 de outubro de 1974 (um domingo) e a segunda no feriado do 10 de junho de 1975. E as pessoas aderiram em número muito significativo. Aderiram porque estavam empenhadas em construir um mundo melhor, um mundo mais justo.
“Daqui a um mês vão abrir as salas. Nós não sabemos em que condições e portanto temos que fazer tudo a partir de hoje até ao dia 1 de Junho para que os públicos voltem às salas. Temos que nos organizar para garantir trabalho a toda essa gente. Gente também da linha de trás, não só os artistas, às salas, às empresas de audiovisuais, aos técnicos. A toda essa gente temos que garantir um trabalho. Se calhar não vão ganhar nesta fase inicial o mesmo que ganhavam mas têm que ter uma coisa. Têm que ter a dignidade de poderem ganhar o dinheiro para poderem levar a comida para casa ao fim do dia e isso é uma coisa muito importante – é a dignidade de terem um trabalho e poderem trabalhar.” (5) Trocado por miúdos… por um lado alguns de nós vamos ter de trabalhar mais uma hora. Mas, por outro lado, alguns se calhar também vão ter que ganhar menos. Se houvesse uma forma de misturar isto tudo (aumento da carga horária e diminuição do salário) chamava-lhe um figo. E em nome de quê? Em nome da dignidade de meter comida na mesa. Porque ao menos salvaguardamos os postos de trabalho. É esta a diferença entre os anos 70 e agora. Isto não serve para construir um mundo melhor. Nem um mundo mais justo. Nem sabemos bem para que isto serve. É uma tábua de salvação? Ou o lastro que nos arrasta para o fundo do poço?
Nós podemos dizer que isto é um momento excepcional. Nunca se viu uma situação assim. Temos todos que fazer um esforço. Voltando ao início são “medidas especiais acima das especiais”. Mas quantas medidas excepcionais já tivemos desde o fatídico dia 25 de Novembro de 1975? Quantas crises? Não queremos outra crise? O problema é que as crises são inevitáveis. A História ensina-nos isso mesmo. É um universo cíclico de crises atrás de crises. Apesar de não estarmos todos no mesmo barco partilhamos o mesmo oceano. Uns passam ao largo de iate ou veleiro, outros remam com esforço para levar o barco a bom porto mas a maior parte de nós nem uma reles jangada tem ao seu dispor. Andamos aqui todos agarrados a uma bóia que nos prende à vida. Só que as bóias que nos permitem manter à toa estão todas esburacadas e os remendos estão esgotados.
Mas – a cereja em cima do bolo – já no início de Janeiro de 2019, numa crónica de opinião gravada para a TSF, Covões avançava com a mesma ideia para resolver o défice do Estado. “Se calhar temos de trabalhar mais. Quando se discute as 35 e as 40 horas se calhar não estamos certos, porque o dinheiro não chega e se o dinheiro não chega, só há uma forma: é trabalhar mais. Se calhar se todos trabalhássemos mais uma hora este Portugal estaria bem melhor.” (19) Por isso é que toda esta conversa de um regime de excepção, do é só esta vez, do estamos todos juntos no mesmo barco… é só conversa. Uma cortina de fumo para nos toldar a vista. Abram os olhos enquanto ainda conseguem discernir alguma coisa.
Já perceberam agora para que é que serviu aquilo no 1.º de Maio? Estamos cansados da mesma homilia, já chega de nos afagarem o pêlo enquanto nos esgaçam o esfíncter. Ninguém nos ouve. Em vez de espumarem raiva por cerimónias que evocam a luta dos trabalhadores como vocês, ao mesmo tempo que passam a pomada no cuzinho, lembrem-se que aquela podia ser a vossa voz. Não serão os Álvaros Covões nem a APEFE desta vida que vão defender os vossos direitos.
25.05.2020
1. Everything Is New (vídeo – 29.04.2020)
2. Everything Is New (video – 09.05.2020)
3. Diário de Notícias (entrevista – 05.07.2013)
4. Forbes (artigo – 24.03.2018)
5. Prova Oral (entrevista – 01.05.2020)
6. Marketeer (entrevista – 23.04.2020)
7. TVI24 (entrevista – 19.04.2020)
8. The Guardian (artigo – 05.02.2019)
9. Público (crónica – 08.03.2020)
10. Telejornal RTP (reportagem – 19.04.2020)
11. The Guardian (artigo – 08.05.2020)
12. ABC News (artigo – 23.04.2020)
13. PME Magazine (entrevista – 23.10.2018)
14. Exame (entrevista – 29.06.2016)
15. Público (artigo – 06.08.2018)
16. Proteste (artigo – 25.06.2018)
17. Jornal Económico (artigo – 07.05.2020)
18. Arquivo RTP (notícia – 09.06.1975)
19. TSF (crónica – 03.01.2019)
2. Everything Is New (video – 09.05.2020)
3. Diário de Notícias (entrevista – 05.07.2013)
4. Forbes (artigo – 24.03.2018)
5. Prova Oral (entrevista – 01.05.2020)
6. Marketeer (entrevista – 23.04.2020)
7. TVI24 (entrevista – 19.04.2020)
8. The Guardian (artigo – 05.02.2019)
9. Público (crónica – 08.03.2020)
10. Telejornal RTP (reportagem – 19.04.2020)
11. The Guardian (artigo – 08.05.2020)
12. ABC News (artigo – 23.04.2020)
13. PME Magazine (entrevista – 23.10.2018)
14. Exame (entrevista – 29.06.2016)
15. Público (artigo – 06.08.2018)
16. Proteste (artigo – 25.06.2018)
17. Jornal Económico (artigo – 07.05.2020)
18. Arquivo RTP (notícia – 09.06.1975)
19. TSF (crónica – 03.01.2019)